22 de nov. de 2007

INTRODUÇÃO - DISSERTAÇÃO

O presente trabalho, como seu título antecipa, visa analisar o que se constitui a forma mais completa e paradoxalmente imperfeita que o homem encontrou para ordenar as questões públicas: a democracia. Entretanto, uma vez que se pode preencher toda uma biblioteca só com os livros escritos sobre o tema, o que poderia justificar essa nova pesquisa?

Primeiramente, deve ser destacado que a democracia, como fruto que é de uma determinada ordem social, segue uma dinâmica variável, a qual é influenciada, principalmente, pelas alterações históricas fundamentais de cada sociedade. É nesse sentido que se inicia a delimitação do tema: diante da revolução informacional das últimas décadas – baseada em tecnologias digitais de comunicação – o que há de diferente no cenário das relações humanas que possa determinar a necessidade de uma (renovada) análise da democracia? A premissa assumida, recorrendo à teoria proposta por Manuel Castells, é que a nova forma de organização em rede das sociedades globalizadas representa uma substancial novidade, o que justifica a problematização formulada.

Em tais termos, limita-se a presente análise à democracia na forma, real ou potencial, que ela assume, ou pode assumir, nas sociedades da informação e do conhecimento. Dentro desse marco, um dos questionamentos mais instigantes que se apresenta é sobre a possibilidade de aperfeiçoamento dos sistemas democráticos e de suas instituições valendo-se da utilização das novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), com objetivo de construção de um novo espaço público participativo e deliberativo que sustente o aprofundamento e a expansão da democracia.

Sobre tal indagação, a hipótese inicial é de que a política tradicional e a democracia representativa são atualmente insuficientes para responder às demandas que se apresentam, em razão de uma fragmentada estrutura social e cultural e da dissolução contínua da capacidade humana de articulação coletiva. Nesse contexto, cogita-se que as novas tecnologias oferecem a base material sobre a qual as sociedades podem modificar radicalmente as instituições e os processos político-democráticos tradicionais em benefício de um sistema mais inclusivo, plural e com o potencial de reavivar o perdido interesse dos cidadãos pelas questões públicas.

Para confirmar ou não esta hipótese, entende-se como variáveis essenciais ao estudo a contextualização histórica da sociedade contemporânea e da condição pós-moderna que lhe caracteriza, assim como da sociedade que dela surge e que baseia suas relações de poder, entre outros fatores, na detenção da informação e na concepção e manutenção do conhecimento. Integram-se a esse rol de variáveis as próprias TICs – que se constituem em instrumento da revolução informacional em curso; as novas dinâmicas sociais – que são marcadas pela fragmentação das identidades e pelo estabelecimento de inseguranças generalizadas; e o Estado-nação – o qual se encontra desafiado por uma rede de fluxos de poder sobre o qual não tem governabilidade e que lhe permitem apenas uma limitada influência sobre seu território e população. Além disso, outras variáveis são agregadas ao raciocínio proposto, a exemplo dos sistemas democráticos representativos vinculados a instituições modernas; e o ciberespaço, no qual se desenvolve uma “cultura da virtualidade real” e de onde surge um universo apropriado para a democracia digital.

Há uma gama de possibilidades de interação entre as variáveis acima mencionadas. Pode-se verificar, por exemplo, a forma como o ciberespaço induz e/ou é induzido pelas sociedades da informação e do conhecimento, assim como a relação entre as novas identidades e o processo histórico contemporâneo representado pela condição pós-moderna. A discussão mais importante para o trabalho, contudo, é aquela que busca entender a articulação entre os sistemas democráticos representativos e o Estado-nação em crise, assim como o uso que este pode fazer das TICs para se relegitimar como ator confiável para ordenação das questões públicas.

Nesse sentido, em diversas partes do mundo o Estado-nação tem desenvolvido políticas públicas para expansão do chamado governo eletrônico, na maioria das vezes limitando-se apenas em transpor seus serviços tradicionais para o meio digital. Todavia, deve-se ter em conta que o contexto econômico, social e político característico das sociedades da informação e do conhecimento indica a necessidade de construção de novos serviços que permitam e estimulem o resgate da capacidade de articulação em torno de valores compartilhados, assim como novas instituições que funcionem como ponte à participação consciente e autônoma do cidadão livre de fato. Não obstante as TICs terem, nesse contexto, o potencial de “desespecializar”, horizontalizar e democratizar a política – favorecendo o resgate da civilidade na esfera pública – é de se indagar se as instituições políticas democráticas estão caminhando nesse sentido.

Deve-se considerar, ainda, que as modificações sociais das últimas décadas impactam fundamentalmente as instituições democráticas. Por outro lado, em tais momentos de transição, pequenas alterações de rumos na origem representam desvios significativos ao longo da caminhada. Este estudo se mostra importante, portanto, na perspectiva em que pode contribuir para a ampliação do debate sobre o tema, chamando atenção quanto ao fato de que as ações e projetos democráticos contemporâneos devem seguir em direção ao fortalecimento do sistema e não a tímidas iniciativas, que levem à perda completa de legitimidade do sistema pela insuficiência das instituições (por se fazer pouco), ou a uma perigosa aventura baseada em metáforas e hipérboles desconexas sobre a e-democracia (sob risco de desestruturação dos avanços democráticos já alcançados).

Com esse objetivo, serão enunciadas algumas das principais construções teóricas sobre a história social contemporânea, descrevendo-se algumas características da Era da Informação, bem como serão analisadas as conseqüências, para a participação política do cidadão, da generalizada sensação de insegurança social e pessoal, fenômeno ligado à individualização das biografias e ao surgimento das novas identidades. Serão reunidos, assim, conhecimentos multidisciplinares que auxiliem na compreensão sobre a forma como os indivíduos atuam politicamente na atualidade. Nesta mesma direção, propõe-se verificar a possibilidade de utilização das TICs como forma de pressão legítima sobre o sistema político tradicional contemporâneo, arrolando-se experiências práticas de aplicação das novas tecnologias nos sistemas democráticos e, a partir das lições decorrentes, indicar sugestões básicas para criação de um espaço público virtual aberto e livre, examinando os riscos e oportunidades decorrentes dessas alterações e estabelecendo perspectivas futuras para o tema.

As indagações e hipóteses apresentadas são formuladas a partir de um universo teórico que serve de embasamento à interpretação das informações colhidas. A base do estudo, assim, é dada pela proposição da existência de uma “Era da Informação”, onde a sociedade se organiza em rede e o fluxo de informação e conhecimento é fonte de poder e controle, conforme propõe Manuel Castells. Em tal perspectiva, o desvio do poder geograficamente localizado para uma rede de fluxos globais representa uma tendência de esvaziamento das instituições políticas e perda de legitimidade dos Estados.

Assim, a criação de pontes entre os espaços locais, de tempo cronológico, e os espaços de fluxos, de tempos intemporais, é o grande desafio que é colocado para as sociedades, sob pena de uma perigosa ruptura do diálogo em caso de insucesso. Nessa perspectiva, Bauman ressalta que a Política – com P maiúsculo – é a única maneira de se resolver os complexos problemas coletivos da pós-modernidade. Assim, uma das formas de criação daquelas pontes, e também de novos espaços de exercício da civilidade, decorre justamente da integração das tecnologias de comunicação às instituições responsáveis pela formulação e execução de políticas públicas, bem como aos processos legislativos em todos os níveis estatais.

Como se trata de um tema complexo, que permeia transversalmente o tecido social, a pesquisa recorre a uma série de proposições secundárias, como a questão da fragmentação social, do surgimento de novas identidades que se organizam, entre outros, em torno da etnia, religião e sexualidade, e de considerações acerca dos riscos em se colocar em questão princípios básicos da democracia, a exemplo da regra da maioria e das eleições.

Vinculado a esses temas, percebe-se que há a formação, por meio da Internet, de um novo canal de comunicação flexível que permite o fluxo de informações em múltiplas direções, o qual altera estruturalmente as relações sociais. Isso ocorre na medida em que a realidade é sempre mediada por uma interface de significados simbólicos (e, portanto, as culturas são processos de comunicação), fazendo com que a Internet se insira profundamente nos processos de organização social e cultural. Como dito, isso impacta, também, o Estado e os sistemas democráticos, mas o modelo a ser institucionalmente seguido é algo ainda dependente de um amplo debate em cada sociedade, considerando-se que cada uma possui forma própria e característica de lidar com as tecnologias, seja na sua produção ou no seu uso. Considere-se na análise, ainda, que o acesso aos meios necessários para uma participação ativa dos cidadãos nas questões públicas possui níveis extremamente díspares ao longo do globo, indicando o surgimento de uma dupla exclusão de grande parcela da população mundial: a impossibilidade de adquirir bens/serviços e a falta de acesso aos meios que permitem fazer parte do novo ciberespaço social.

Assim, um dos fatores preponderantes deste trabalho, por configurar um instrumento sobre o qual se constroem significados culturais nas sociedades em rede, é a questão do acesso às TICs, as quais, para efeito desse estudo, são conceituadas como o desenvolvimento, a implementação e a administração de sistemas de informação baseados em aplicações de computadores. Por sua vez, são consideradas como sociedades da informação e do conhecimento aquelas onde há predominância de um novo paradigma tecnológico, o qual passa a ter papel causal na ordem social, cultural e econômica, bem como vem oferecer o suporte para uma primazia da informação, da comunicação e do conhecimento como fatores de poder e controle. A democracia digital, por seu turno, refere-se ao uso das TICs, como a Internet, com o objetivo de reforçar os processos democráticos, oferecer serviços públicos e informações, assim como fomentar a participação ampla e plural dos cidadãos na ordem política por meio do ciberespaço. Este, com base em Pierre Lévy, pode ser conceituado como um espaço de comunicação que é constituído pela interconexão mundial dos computadores, ou seja, é um domínio caracterizado pelo uso do espectro eletrônico e eletromagnético para armazenar, modificar e compartilhar dados por meio de sistemas em redes. Finalmente, a proposição da existência de uma cultura da “virtualidade real” é decorrente da constatação de que toda realidade é percebida virtualmente, pois a humanidade tem contato com mundo somente por meio de símbolos e, portanto, as relações existentes no ciberespaço são virtuais, mas também reais, porque estruturam e concebem o tecido social.

Metodologicamente falando, o trabalho segue o procedimento monográfico, fazendo uso, eminentemente, da técnica de pesquisa baseada na revisão bibliográfica, com aplicação do método hipotético-dedutivo. Há, portanto, uma revisão da literatura sobre as transformações sociais e econômicas contemporâneas, sobre indagações quanto à condição de crise do Estado e dos sistemas democráticos representativos e, principalmente em língua estrangeira, sobre a democracia digital, sua tipologia, modelos e futuríveis. Nesse sentido, por meio de uma estrutura de raciocínio que segue do geral para o particular, busca-se verificar, em conclusão, a validade da hipótese apresentada inicialmente. Com essas considerações, propõe-se desenvolver o tema agregando e inter-relacionando cada uma das variáveis mencionadas em uma articulação dialética entre as diversas correntes teóricas tratadas, de maneira que a topografia de sua apresentação permita uma visão plausível sobre o tema. Para esse fim, decidiu-se estruturar o trabalho em três capítulos, cada um deles subdivididos em duas partes que estão estreitamente ligadas e se complementam.

O primeiro capítulo, que objetiva discutir a transição paradigmática das sociedades contemporâneas, apresenta em sua primeira parte uma discussão do que se convencionou chamar de “condição pós-moderna” desse início de século, fazendo-se, para isso, um contraste entre a modernidade “simples” e a complexa ordem pós-moderna. Na segunda parte, discorre-se sobre a constituição das sociedades da informação e do conhecimento, a história das TICs e sua utilização como base instrumental da Era da Informação, da economia fundada no conhecimento e da nova estrutura laboral, decorrentes da organização mundial em redes de fluxos.

Já no segundo capítulo, busca-se descrever a dinâmica e o contexto sociais e institucionais em que se inserem propostas de expansão da participação democrática. A primeira parte intenciona relacionar uma literatura que descreva a forma de ação dos indivíduos no espaço público, o que somente é possível pela abordagem sobre, dentre outras coisas, os riscos e incertezas onipresentes nas relações sociais deste início de século, que têm alterado substancialmente a maneira com que os interesses comuns são articulados. Nesse sentido, as novas identidades, que buscam resistir ou propor projetos para a humanidade, têm um papel de grande importância, razão pela qual se dedicou um subitem específico para o tema. Já na segunda parte, objetiva-se abordar a situação dos sistemas democráticos representativos insertos em uma estrutura capitaneada por uma instituição em crise: o Estado-nação. São analisadas proposições que indicam a tendência de enfraquecimento do Estado, para verificar até que ponto ele perde poder e influência na Rede Global. Em complemento, investiga-se sobre os limites e os impasses da democracia representativa, apresentando-se, ao final, as perspectivas para o tema, já apontando para a questão principal do terceiro capítulo: a democracia digital.

No terceiro e último capítulo reflete-se sobre as oportunidades de democratização do espaço público por meio da introdução de propostas inovadoras de participação política no ciberespaço. A descrição e conceituação de uma “virtualidade real” objetiva estabelecer o contexto para se entender a forma como as pessoas agem politicamente no ciberespaço e a evolução desse debate cívico em sociedades cada vez mais baseadas nas vontades e ações dos indivíduos. Na seqüência, conceituando-se a governança eletrônica, indica-se uma de suas derivações, a e-democracia, sobre a qual são apresentadas classificações e tipologias, indicando-se as possíveis aplicações tecnológicas que lhe possam dar suporte. Na segunda parte do último capítulo, são buscadas na prática algumas lições que podem auxiliar na verificação da hipótese, utilizando-se como referência o Reino Unido, tido como o estado-da-arte na implementação da e-democracia. Em contraste, sintetiza-se as iniciativas do Brasil, que se situa em uma posição intermediária de utilização das TICs em sistemas de e-participação. Por fim, com auxílio principalmente das considerações de Stephen Coleman, descreve-se alguns futuríveis da democracia na Internet.

Diante de todas essas considerações, a partir de uma ampla contextualização da participação política nas sociedades da informação e do conhecimento, pretende-se contribuir para o debate sobre a democracia digital no país. Para tanto, são apresentadas análises que podem dispor aos administradores públicos e aos representantes políticos informações destinadas a auxiliar no desenho, estruturação e execução de políticas públicas que integrem, aos projetos de governança eletrônica, inovadores serviços de participação na administração pública. Isso exige que sem garantidos, aos cidadãos, o desenvolvimento de capacidades e habilidades para que os mesmos possam lidar com o conhecimento, bem como o acesso aos meios físicos para integração à grande Rede. Essas, aliás, são condições essenciais para uma ampla e efetiva inserção da democracia brasileira na Era da Informação, em benefício de políticas públicas e normas legais que estejam em verdadeira sintonia com a vontade e o interesse dos cidadãos.

3 de nov. de 2007

E-Democracia no Reino Unido

O Reino Unido – RU – é fonte de um grande portfólio de experiências práticas de e-democracia – aliás, o mais profícuo e eficiente do mundo, conforme já mencionado. Nele existem diversas iniciativas, governamentais e não-governamentais, que buscam estudar e desenvolver ferramentas de participação democrática por meio das novas tecnologias de informação e comunicação.

A melhor fonte de informações sobre a e-democracia no Reino Unido provém da instituição chamada Hansard Society, que recebeu a delegação do Ministério da Justiça do Reino Unido para realizar uma análise independente de como o governo pode usar as TICs para proporcionar o engajamento público. O projeto delegado é resultado de uma iniciativa do Department for Constitutional Affairs (DCA) do parlamento britânico, que determinou ao Ministério mencionado que se desse início ao programa nomeado de Digital Dialogues.

Nesse sentido, pode-se dizer que o referido programa é uma unidade de pesquisa e desenvolvimento de formas inovadoras de utilização das novas tecnologias que possam conectar as instituições políticas e o cidadão, encorajando a participação no processo democrático. A Hansard Society, por sua vez, é uma entidade filantrópica de educação que envolve acadêmicos, jornalistas, servidores públicos, sindicatos, associações de classe, indústria, comércio, grupos de interesse e outros interessados nos processos políticos e na promoção de uma democracia efetiva.

A fase 1 da pesquisa encomendada ocorreu entre dezembro de 2005 e junho de 2006, tendo desenvolvido estudo de caso em seis iniciativas envolvendo áreas transversais de agências e ministérios do governo central do RU, utilizando-se de aplicações baseadas na web como blogs, fóruns, enquetes e bate-papo. A avaliação levou em consideração a análise estatística dos sítios, além de entrevistas e pesquisas com responsáveis públicos e usuários.

O relatório parcial daquela primeira fase revelou que o engajamento público pode valorizar a formulação de políticas públicas, bem como aumentar a eficácia governamental, em razão, principalmente, dos benefícios no acesso à informação e à transparência da atividade pública. A maioria das pessoas atraídas pela participação online nas consultas públicas e deliberações políticas nas experiências do RU eram usuários regulares da Internet, ainda que a maioria não tinha um histórico de participação política e, portanto, pode-se considerar que foi o mecanismo online que os atraiu para as iniciativas.

Nas proposições estudadas, os cidadãos foram convidados a se envolver com questões complexas, deliberar e procurar soluções acordadas com os representantes do governo. Foi possível observar, por meio de dados estatísticos de acesso, que a maioria das pessoas preferiu manter-se como observadora do processo em vez de participar diretamente da deliberação, apesar de suas visitas regulares aos sítios analisados para acompanhamento das atividades. O feedback demonstrou a satisfação com a deliberação baseada em texto, mas as pessoas expressaram interesse em um maior uso de conteúdo áudio-visual.

De toda forma, o ceticismo sobre o valor da participação online no processo político, representado pela resistência à participação na deliberação, demonstrou-se passível de ser resolvido logo no começo com o esclarecimento quanto ao seu potencial de influência no resultado final. Isto pode ser alcançado por meio de processos de feedback no final de cada exercício de participação. Além disso, para credibilidade das propostas, o engajamento público deve ser liderado pelos ministros e pelo responsável por cada projeto discutido, enquanto o acesso desses aos conhecimentos técnicos é garantido por equipes específicas, que devem ficar à disposição. É essencial, também, que os fóruns de discussão sejam ordenados por um moderador e facilitador da deliberação, função que deve ser exercida por técnico com conhecimentos sobre a política pública objeto da consulta. Com essas considerações, a fase 1 da pesquisa demonstra que simplesmente construir um sítio de Internet não é o mesmo que promover a participação online.


 



 

O referido estudo da Hansard Society indica, ainda, que se o aprofundamento e o alargamento da participação também é um objetivo, são necessárias campanhas de divulgação que tragam tráfego para site, mantenha o interesse e publicise os resultados. Ainda, uma vez que os participantes podem não ser acostumados a deliberação, um guia e fontes de informação beneficia o processo de engajamento. Entretanto, como conclusão parcial, considerou-se que a participação online não é um substituto dos métodos tradicionais, devendo servir como complemento de uma ampla campanha de engajamento.

Os blogs, por sua vez, diz a pesquisa, mostraram-se apropriados quando a participação já vem de longa data, enquanto os fóruns são bons para deliberações estruturadas e periódicas que exijam a integração de grandes grupos. Tem-se, ainda, as salas de bate-papo, úteis em eventos em tempo real (podendo ser combinado com outras aplicações). Com essas ferramentas, as bases de cidadãos criadas em uma determinada iniciativa devem ser estimuladas a participar de outras interações, tendo-se em conta que os exercícios devem começar pequenos e ganhar escala de acordo com a demanda. O relatório parcial da fase 1 do Digital Dialogues verificou, ainda, que o governo e o público têm um interesse antigo em aumentar a interação online e que isso, agora, se tornou possível por meio das novas tecnologias. Por fim, constatou-se que planejamento e liderança são necessários para qualquer projeto na área, devendo-se sempre estabelecer claramente e manter em fácil acesso os termos, condições e políticas de moderação. Dessa forma, as oportunidades de participação nos processos políticos online devem ser abertas para todos e ter a maior transparência possível.

Após o estabelecimento dessas considerações parciais, iniciou-se a fase 2 do programa, que foi desenvolvido entre agosto de 2006 e agosto de 2007, envolvendo, na oportunidade, 12 estudos de caso. A referida segunda fase, que utilizou como base as indicações parciais da primeira, revelou que os cidadãos são muito interessados em receber informações diretamente dos responsáveis públicos, bem como de participar de discussões online as quais julgam importantes para eles e que acreditem poder influenciar no resultado final. Assim, o interesse público de participação espelha o crescimento do uso da Internet para comunicação, sendo que o Governo do RU, por sua parte, reconhece o valor da iniciativa em prover aos cidadãos verdadeiras oportunidades em desenvolver políticas públicas e influenciar nos gastos públicos.

Na segunda fase algumas novas considerações foram agregadas às da primeira, a exemplo da não-identificação de suficientes ligações entre atividades on e offline. Tendo em vista que os casos estudados pelo Digital Dialogues foram coordenados por pessoal próprio do governo (que adaptou sua experiência ou desenvolveu novas capacidades), demonstrou-se necessária uma adaptabilidade dos times, ficando o sucesso condicionado aos recursos da equipe e o seu nível de compromisso, que varia muito dentro do governo, de acordo com o relatório.

Outra descoberta da pesquisa demonstra que a participação online tem menos a ver com tecnologia e mais com a qualidade do conteúdo, interação e resultados. Segundo o relatório da segunda fase, os casos estudados que foram melhores recebidos foram aqueles onde os representantes do governo eram participantes ativos e não espectadores. Os maiores casos de sucesso não foram necessariamente os que tiveram grande número de participantes, pois o bom desempenho mostrou-se relacionado a quem se envolveu no processo de debate, à razão do envolvimento e ao que aconteceu como resultado do exercício. Além disso, uma vez que a influência de longo-termo da participação na política pública não é clara para as pessoas, gerenciar informações de retorno, ou seja, oferecer informações sobre as conseqüências do exercício, é um componente essencial para uma boa participação.

De toda forma, as iniciativas de participação mostraram possuir boa relação custo-benefício. A maioria dos casos estudados pelo Digital Dialogues foi desenvolvida usando software livre, o que reduz custo e permite a customização para alcançar as necessidades de cada órgão, departamento ou ministério. Além disso, as atividades foram bem recebidas pelos cidadãos, que demonstraram interesse participar novamente e indicaram o exercício para outras pessoas, mas ao mesmo tempo demonstraram insatisfação com o exercício específico em que participaram.

Por fim, confirmando observações da primeira fase, as pessoas mais assistiram do que contribuíram nos exercícios. O ceticismo sobre a credibilidade dos exercícios, assim como a baixa eficácia e a falta de conhecimentos e habilidades com as ferramentas, dissuadiram a participação, ainda que as comunidades online criadas em torno de um tema demonstraram possuir o potencial de retomar o diálogo em momentos apropriados do ciclo de construção da política pública.

Após as duas fazes acima mencionadas, a iniciativa Digital Dialogues segue para sua terceira fase, que se estenderá de agosto de 2007 a agosto de 2008. Entretanto, já na segunda fase foi possível estabelecer algumas recomendações baseadas nos estudos e avaliações realizadas, que podem auxiliar no avanço das iniciativas baseadas em TICs.

Assim, a primeira recomendação apresentada pela Hansard Society é promover a inovação, pois o governo necessita dessa cultura, principalmente no que se refere à participação do público, já que investir em inovação ajuda o governo a aprender, tomar decisões embasadas e motivar as pessoas a interagir com órgãos e representantes. Por outro lado, as iniciativas devem ser escaláveis, o que significa o lançamento de exercícios pilotos, uma avaliação criteriosa dos resultados, e a observação da demanda para adaptar recursos e determinar expansões ou reinícios. O Estado deve respeitar, ainda, as regras de interação vigente em um determinado grupo, buscando entender como as pessoas se relacionam, de maneira a resistir à tentação de colonizar o espaço e impor sua forma de fazer as coisas.


 


Figura 8 - Reprodução da página principal da iniciativa Digital Dialogues.

Fonte: < http://www.digitaldialogues.org.uk/>. Acesso em: 21 de out. 2007.


 


 

A pesquisa também recomenda que antes de lançar um exercício de participação online, deve-se primeiramente desenvolver as propostas
com
os pretensos usuários – perguntando que tipo de atividade eles querem, de que maneira a discussão deve ocorrer e em que tipo de plataforma. Isso não é suficiente, contudo, sem um treinamento de pessoal já que, como visto, o sucesso do projeto está muito mais ligado ao conteúdo, interatividade e habilidades do que à tecnologia em si, o que justifica tal investimento. Além disso, as iniciativas devem ser resultado de uma ação estratégica de governo, pois as melhores atividades serão aquelas fruto das escolhas mais planejadas sobre o objetivo, métodos e o ponto do ciclo da política pública em que será aplicada; igualmente, as aplicações têm que ser interativas, já que a participação deve ser uma experiência ativa e entusiástica, onde se perceba a efetiva influência no encaminhamento das questões consultadas. Nesse sentido, consultar a população sobre seus pontos de vista e depois ignorá-las gera perda de confiança tanto no processo quanto nas instituições envolvidas.

O relatório final da segunda fase da iniciativa Digital Dialogues traz algumas outras recomendações complementares, de grande importância para o desenvolvimento de experiências práticas de democracia digital. Faz lembrar, por exemplo, da necessidade de mostrar o trabalho realizado, ou seja, demonstrar o que aconteceu com as sugestões provenientes de uma atividade de e-participação. Se não foi útil, é importante explicar o por que, o que também deve ser feito quando tenha efetivamente influenciado no processo de tomada de decisão. Sugere-se no relatório, ainda, a realização de avaliação constante das atividades, internas e externas, compartilhando os resultados, pois tal atitude pode permitir que outros setores da Administração Pública aprendam com os sucessos e as falhas apresentadas. Com tal providência, a população, igualmente, pode acompanhar as atividades do governo e fazer seus próprios julgamentos sobre o que está ou não funcionando.

Por último, mas não menos importante, há indicação da necessidade de se trabalhar em grupo, pois existe uma grande fragmentação das ações estatais em campos específicos, o que leva à replicação e ineficiência dos esforços. A estruturação de um departamento transversal, que lidere e coordene os recursos de maneira a maximizar a efetividade e sustentabilidade da proposta, é de extrema importância. Todas essas recomendações apresentadas, afirma-se no relatório, não são exaustivas, mas oferecem os princípios fundamentais para o governo perpetuar o momento do engajamento online e começar a mudar o destino da participação democrática em geral.

O que as iniciativas do RU demonstram é que há, de fato, um campo promissor de participação cidadã por meio das TICs, o qual encontra-se extremamente subutilizado. O Estado tem muito a ganhar com essas iniciativas, pois pode se apresentar como interlocutor eficaz e executor confiável de políticas públicas socialmente construídas e amplamente legitimadas. Tal tarefa, contudo, somente é possível com adequados planejamento, monitoramento e avaliação, de maneira a levar em consideração a atratividade e necessidades do público. Por parte do cidadão, uma vez detentor das habilidades necessárias e havendo confiança de que seus esforços serão considerados, há uma excelente recepção das iniciativas. Nesse contexto, o RU mostra-se exemplar e indica a outros países a direção a ser seguida no que se refere à democracia digital.

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