4 de mar. de 2007

Cinco coisas que precisamos saber sobre as transformações tecnológicas

Gostaria de apresentar alguns pensamentos interessantíssimos que nos foram deixados por Neil Postman. Devo ressaltar que suas opiniões são ácidas em relação à tecnologia e, exatamente por essa razão, é que as apresento aqui, como uma forma de despertar o auto-questionamento sobre a revolução informacional. Apesar das idéias de Postman não serem exatamente as minhas, acredito que induzir uma visão crítica ajuda que não assumamos qualquer posicionamento a priori sobre a questão tecnológica, viabilizando uma opinião pessoal e refletida sobre a nossa sociedade e sobre a forma que devemos articular politicamente para que as pessoas sejam livres de facto. Pois, então, prossigamos. Além de professor, Neil Postman, morto em 2003, era um teórico da mídia e crítico cultural. Como humanista, dizia haver um limite às promessas das novas tecnologias, sob o argumento de que elas não podem substituir os valores humanos. Em uma conferência na cidade de Denver, no estado norte-americano do Colorado, Postman apresentou o que chamou de "cinco coisas que precisamos saber sobre as modificações tecnológicas", no que apresentou como "o tipo de coisa que qualquer um que tenha estabilidade e equilíbrio cultural deveria saber". A proposta resultou em um texto conciso que, diante da sabedoria que expressa, acredito ser pertinente mencionar. Naquela conferência de Denver, ele afirmou que os problemas humanos do século XXI não serão muito diferentes que os problemas enfrentados por Sócrates, Jesus ou Shakespeare. Assim sustenta, diz o professor, porque não há como escapar de nós mesmos. Com essa ressalva, ele apresenta alguns posicionamentos interessantes sobre questões específicas da nossa Era Informacional, de maneira a permitir ao que menos possamos organizar o raciocínio e ordenar os problemas. São cinco pequenas percepções, resultado de uma vida dedicada à reflexão sobre mídia e tecnologia, que podem auxiliar em nossa caminhada e dar uma nova perspectiva sobre a visão sociológica de nossa condição pós-moderna. A primeira idéia que Postman menciona é o que chama de "barganha de fausto", significando a uma situação atual em que toda vantagem tecnológica corresponde a uma desvantagem, sendo que esta pode ou não superar aquela, dependendo de cada caso. Parece ser óbvio, diz Postman, mas o entusiasmo de muitos em relação ao computador, muitas vezes sem se aperceber das possíveis conseqüências negativas de sua utilização, demonstra uma perigosa despreocupação sobre o tema. Os automóveis, por exemplo, apesar de suas evidentes vantagens, são hoje responsáveis por envenenar o ar de nossa cidade, assim como muitos medicamentos acabam por criar mais problemas que a doença que pretendiam curar. O que dizer, então, dos benefícios da escrita impressa, que deu ao mundo ocidental a poesia, a ciência indutiva e a noção de nacionalidade, mas fazendo isso permitiu o surgimento do patriotismo, em uma sórdida, senão mortal, emoção. Talvez a principal maneira de expressar essa idéia é fazermos sempre um questionamento: "o que a nova tecnologia fará" e "o que esta tecnologia destruirá", parecendo ser essa segunda pergunta a mais importante das duas. Postman diz que, se dependesse dele, uma pessoa deveria ser proibida de falar sobre novas tecnologias de informação antes de demonstrar que conhece alguma coisa sobre os efeitos psíquicos e sociais do alfabeto, do relógio mecânico, da imprensa e do telégrafo, ou seja, que saiba alguma coisa sobre os custos da tecnologia. A idéia número um, então, é que a cultura sempre paga um preço pela tecnologia. Isso leva à segunda idéia, que é a consciência de que as tecnologias jamais são distribuídas de forma equânime pela população, o que significa que elas sempre beneficiam uns e prejudicam outros. Existem alguns, inclusive, que não são sequer afetados. A questão que dever ser posta por qualquer pessoa que tenha conhecimento sobre as mudanças tecnológicas, portanto, é essa: quem especificamente se beneficia do desenvolvimento de uma nova tecnologia? Que grupos, ou que tipo de pessoa ou indústria é favorecido? E é claro, que grupos de pessoas serão terrivelmente prejudicados? Essas são questões que devemos ter em mente quando pensamos sobre a tecnologia dos computadores. De fato, eles têm ajudado muito os militares, as companhias aéreas, os bancos e também a arrecadação de impostos. Também ajudam os pesquisadores e cientistas. Contudo, qual têm sido as vantagens para a massa de pessoas? Para os metalúrgicos, músicos, mecânicos, padeiros, dentistas e a maioria das vidas em que o computador se introduz? Na verdade, suas vidas privadas são mais facilmente controladas, sendo mais acessíveis às poderosas instituições, que utilizam as informações para tomar suas decisões de forma mais exata. As pessoas são, mais do que nunca, reduzidas a um objeto numérico, como alvos fáceis de agências de publicidade e instituições políticas. Postman acredita que os grandes perdedores da revolução computacional são as pessoas, sustentando que os vencedores, que são as empresas de computadores, corporações mutinacionais e o Estado-nação, tentam nos tornar entusiastas dessas tecnologias. Eles dizem que, com o computador, a vida é sempre melhor, que podemos comprar e votar e nos divertir em casa mesmo e que quanto mais informações temos, mais fácil é resolver os problemas pessoas e, também, os grandes problemas sociais. Mas será verdade? Uma criança com fome não está assim por falta de informação. Na verdade, se produzimos alimentos em quantidade suficiente para alimentar todas as crianças, por que algumas não comem? A violência também não é por falta de informação, mas sim porque alguma coisa está faltando. E quem sabe por quê? Nessa era da informação, estamos cegos e não conseguimos ver exatamente onde estão nossos problemas. Por isso é sempre necessário perguntar a um entusiasta da tecnologia: por que você faz isso? Que interesses você representa? A quem você espera dar ou retirar o poder? Dessa forma, como a tecnologia favorece uns e prejudica outros, haver sempre vencedores e perdedores das mudanças tecnológicas é a segunda idéia. A terceira é que, embutida em toda tecnologia há uma ou mais idéias poderosas, que são difíceis de ver porque são de uma natureza abstrata, o que não significa que não tenham conseqüências práticas. Postman, então, lembra do adágio popular que diz: para um homem com um martelo, tudo parece prego. Extrapolando o conceito, pode-se dizer que, para uma pessoa com caneta, tudo parece sentença; ou, para alguém com uma câmera, tudo parece uma imagem; e ainda, para uma pessoa com computador, tudo parece informação. Sem levar o aforismo ao pé da letra, deve-se dizer que toda tecnologia causa algum dano. A linguagem, por exemplo, favorece algumas conquistas e perspectivas. Em Culturas sem escrita a memória é muito importante, porque o conhecimento e sabedoria acumulados são passados pelas canções e provérbios. Contudo, os três mil provérbios que se afirma que o Rei Salomão sabia teriam pouca utilidade em uma cultura escrita, já que é baseada em uma organização lógica e análise sistemática e não em provérbios. Pode-se dizer que, enquanto pessoas "telegráficas" valorizam a rapidez e não a introspecção, pessoas "televisivas" valorizam o imediato e não a história. O que dizer das pessoas "computacionais" então? Digamos que elas valorizam a informação, não ou conhecimento ou a sabedoria. A terceira idéia consiste, portanto, é de como a tecnologia determina nossos pensamentos e códigos com que interpretamos o mundo e que tendências emocionais e intelectuais ela nos faz ignorar. É a aplicação da famosa sentença de Marshall McLuhan de que "o meio é a mensagem". A quarta idéia é que as mudanças tecnologias não são aditivas, mas ecológicas, razão pela qual devemos ser cautelosos sobre a inovação tecnológica. Uma nova mídia não adiciona alguma coisa: muda tudo. Por exemplo, após a escrita impressa, não existia a Europa mais imprensa, mas sim uma Europa diferente. As conseqüências da inovação tecnológica em geral são vastas, imprevisíveis e muitas vezes irreversíveis. Pelas mãos dos capitalistas, as culturas sofrem um ataque sem que haja qualquer questionamento sobre as conseqüências das mudanças. Não vai aí nenhuma crítica socialista, mas sim uma percepção de que os capitalistas devem ser observados e disciplinados. Como exemplo, as mudanças políticas contemporâneas mais radicais não ocorreram pelas mãos de estudantes com o livro de Marx debaixo do braço, mas por empreendedores de terno preto e gravata cinza que controlam a indústria da televisão. Lembrando que nos Estados Unidos não há "horário gratuito eleitoral", tais pessoas, sem a intenção de tornar o discurso político um entretenimento ou reduzir a campanha eleitoral a um comercial de 30 segundos, mas com o propósito único de ganhar dinheiro, eles acabaram por destruir a substância do processo político, e não consideram isso um problema deles. Chegamos, então, a quinta e última idéia, de que a mídia tende a se tornar mítica, no sentido dado por Roland Bathes, para quem "mito" se refere a uma tendência de achar que as criações tecnológicas são uma dádiva divina e que são partes de uma ordem natural das coisas. Seria como perguntar como as nuvens foram criadas. O alfabeto, assim, seria algo que simplesmente existe e não uma criação, semelhante à visão sobre o carro, o avião, a TV ou o jornal. Isso é perigoso porque dá a impressão de que a tecnologia não pode ser modificada ou controlada. Nesse sentido, Postman cita João Paulo II: "ciência pode purificar a religião do erro e da superstição. A religião pode purificar a ciência da idolatria e da falsidade absoluta", para dizer que a tecnologia pode se tornar uma idolatria e os seus benefícios podem se tornar uma falsidade absoluta. Por essa razão, devemos ver a tecnologia como um intruso, um produto da ação humana, sujeita ao seu lado bom e ruim, e não resultado de um especial plano divino. Em síntese, são essas as cinco idéias sobre as mudanças tecnológicas: sempre pagamos um preço pela tecnologia - melhor a tecnologia, maior o preço; sempre existem ganhadores e perdedores; toda grande tecnologia tem embutida danos político, social e epistemológico, que às vezes compensam e às vezes não; tecnologia não é aditiva, mas ecológica, ou seja, muda tudo – é, portanto, muito importante para deixarmos tudo na mão de Bill Gates; e por último, que a tecnologia tende a se tornar algo "natural" o que, em geral, significa mais controle do que o necessário e exige uma visão crítica de sua aplicação. Postman alerta, portanto, que não devemos nos submeter às mudanças tecnológicas com zumbis. Temos que estar de olhos bem abertos de maneira que nós utilizemos a tecnologia e não que a tecnologia nos use.

Total de visualizações de página

Pesquisar este blog. Resumo de livros, democracia, política, TIC, Relações Internacionais etc.