31 de jan. de 2007

O Poder da Identidade - Manuel Castells

Trata-se do segundo volume do livro “A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura”, intiulado “O Poder da Identidade”. O título, conforme se verá, é muito apropriado ao conteúdo. Castells, após apresentar no volume 1 as razões que o permitem entender existir hoje uma “Sociedade em Rede”, demonstra nesta segunda parte qual o papel jogado pelas identidades coletivas no mundo pós-moderno. Para isso, inicia lembrando que uma nova forma de organização social está sendo difundida em todo mundo, abalando instituições e transformando culturas, por meio da globalização, que por sua vez é desafiada por expressões poderosas de identidades coletivas, que questiona o Estado-nação e coloca em xeque a noção de democracia política. Compreender identidade e seu significado na sociedade em rede é determinante nesse contexto. Por isso, Castells menciona como uma identidade, que é fonte de significado e experiência de um povo, é construída. Na sociedade em rede, o significado, que é uma identificação simbólica de um ator social, geralmente organiza-se em torno de uma identidade primária, de caráter defensivo, em torno de princípios comunais. Castells apresenta uma tipologia das identidades como “legitimadora”, aquela introduzida pelas instuições domintantes; “de resistência”, criada por atores estigmatizados, com a finalidade de resistência à dominação, geralmente com formação de comunidades; e “de projeto”, quando atores sociais constroem nova identidade que busca transformação de toda a estrutura social. O autor entende que constituição de sujeitos, nesse processo de transformação social, ocorre de forma diferente que na modernidade, pois não são mais formados na sociedade, mas como prolongamento da resistência comunal das identidades de resistência. O livro passa, portanto, por uma análise da constituição da identidade coletiva, passando pela questão do fundamentalismo religioso, pelo nacionalismo, pela identidade étnica e pela identidade territorial. Relativamente à relação do fundamentalismo religioso e a identidade cultural, o autor interpreta o fundamentalismo islâmico, entendo-o não como um movimento tradicionalista, mas sim hipermoderno, no sentido de que a construção de uma identidade islâmica reflete uma reação contra a modernização inatingível e contra os efeitos negatiovs da globalização, visando o paraíso comunal para os verdadeiros fiéis. Contudo, também há o fundamentalismo cristão, como uma ânsia pela segurança proporcionada pelos valores tradicionais e instituições fundadas na verdade eterna de Deus, tendo como causas imediatas a crise do patriarcalismo e a ameaça da globalização. Há também os movimentos nacionalistas contemporâneos, baseados no anseio de expressar a própria identidade e de tê-la reconhecida de maneira concreta, diferenciado de nacionalismos de outras épocas. O novo nacionalismo visa não necessariamente a constituição de um Estado, mas regenerara a comunidade nacional pela preservação da identidade cultural de um povo, o que devincula a idéia de nação do processo de construção do Estado-nação, o que ocorreria com base em fatores primários, gerativos, induzidos e reativos (p. 48). Para exemplificar, menciona o caso da dissolução da União Soviética, que demonstra a possibilidade de as nações perdurarem em relação ao Estado, como ocorreu com identidades nacionais das ex-repúblicas soviéticas. Outro exemplo é a Calalunya, que possui relativa independência em relação ao Estado espanhol, organizando-se em torno de um território e uma língua, demonstrando a distinção entre identidade cultural e poder do Estado. Assim, a Nação, na era da informação, deve ser conceituada como uma comunidade cultural construída na mente e memória coletiva das pessoas por meio de uma história e projetos políticos compartilhados, não sendo, portanto, “comunidades imaginadas”. A cidadania, portanto, não corresponderia à nacionalidade. Outra possibilidade de identidade coletiva baseia-se na etnia, mas que, segundo Castells, cuida-se de vínculos primários que perderam sentido na sociedade em rede, pois estão integradas a comunas culturais mais fortes, como religião e nacionalismo. Assim, raça é um fator muito importante, mas já não é capaz de construir significados. Existem ainda as identidades territoriais, que não induzem um padrão específico de comportamento, mas gera um sentimento de pertencimento e uma identidades cultural, dependente da existência de participação em movimentos urbanos de compartilhamento de interesses comuns. Além disso, o fracasso de políticas pró-ativas exigiu do povo uma reação com base na fonte mais imediata de auto-reconhecimento, o território, em um paradoxal movimento ao local em um momento de processos cada vez mais globais. Em suma, como resistência à individualização da identidade nas redes globais, a alternativa foi construção de significados com base na religião, nação ou território, como forma de proteção contra um mundo externo hostil. Quando o mundo torna-se grande demais para ser controlado, os atores sociais buscam torna-lo novamente em tamanho compatível. Nesse processo, a negação das sociedades civis levam ao fechamento das fronteiras das comunas formadas em caráter de resistência. Podem, todavia, surgir identidades de projeto a partir dessas comunas, que tendem a ser a principal fonte de criação de significado na sociedade em rede.
Castells interessa-se, nesse contexto, pela relação dos movimentos sociais (que devem ser entendidos em seus próprios termos) com a nova ordem global. A desintegração dos atuais mecanismos de controle social faz as pessoas ressentirem-se do controle de suas próprias vidas, o que determina a resistência frente à dominação, com a criação de projetos alternativos que contestam a lógica da nova ordem, o que está acontecendo por meios inesperados. Para uma explicação empírica, o autor escolheu três movimentos que podem representar esse movimento de resistência: os zapatistas do México; as milícias norte-americanas; e a Verdade Suprema, seita japonesa – que têm objetivos, identidades, ideologias e meios de se relacionar com a sociedade, tendo como ponto comum a oposição declarada à nova ordem mundial. Relativamente ao zapatistas, eles lutam contra as conseqüências excludentes da modernização econômica e opõem-se à idéia de inevitabilidade de uma nova ordem geopolítica sob a qual o capitalismo seja universalmente aceito. O sucesso do movimento se deveu, em grande parte, à sua estratégia de comunicação, caracterizando-o como o primeiro movimento de guerrilha informacional. Quanto às milícias, de características diversas internas, o ponto em comum desse movimento cultural e político é a oposição à nova ordem mundial e ao governo federal, baseando-se nas tradições do país contra valores cosmopolitas e à imposição de um governo mundial. Por sua vez, a Verdade Suprema do Japão tem por fundamento a “salvação” de um mundo exterior irreal que caminha para o apocalipse, para o qual os membros devem estar preparados para sobreviver, por meio do renascimento da espiritualidade e a utilização da mais avançada tecnologia bélica. A realidade fundamental, assim, é aquela de um mundo “comunicado” internamente, por intermédio de líder, Asahara. Dessa forma, o que é comum aos três movimentos é a existência de um mesmo adversário: os agentes da nova ordem mundial que buscam estabelecer um governo mundial e subjugar a soberania dos países e dos povos. Os movimentos sociais de protestos projetam reivindicações por meio de uma política simbólica, atuando como base de mudança dos códigos culturais das novas instituições sociais e minando a “fantasia neoliberal” de uma economia global independente. Todavia, a transformação dessa rejeição em novas formas de controle social dependem da assimilação das reivindicações dos movimentos sociais por parte do sistema político tradicional e das instituições do Estado (p. 136). Na seqüência, há menção ao movimento ambientalista, o “verdejar” do novo ser. Segundo Castells, existe uma relação entre os temas do ambientalismo e a nova estrutura social em rede. Todavia, o ambientalismo visa a utilização do conhecimento com uma visão holística e contrária a uma visão restrita à mera satisfação de necessidades diárias. Assim, o localismo ambiental, reivindicando uma temporalidade alternativa (tempo glacial), contesta a racionalidade prática determinada por interesses comerciais desenfreados e tecnocracias sem qualquer tipo de responsabilidade ou compromisso. Em síntese, busca-se um governo de menor porte, que privilegie a comunicação local e a participação do cidadão. A democracia com bases populares é o modelo implícito na maioria dos movimentos ecológicos (p. 156). Percebe-se, pois, o perigo do grande avanço da tecnologia destinada à produção aliado à uma organização social primitiva, inconsciente e, em última análise, destrutiva. Deve-se, portanto, superar os modelos esgotados da sociedade industrial.
Outro ponto nodal é o questionamento do patriarcalismo, estrutura sobre as quais se sustentam todas as sociedades contemporâneas. A família patriarcal vem sendo contestada por movimentos feministas, gays e lesbianos, levando à transformação da estrutura familiar e das normas sexuais, determinando uma interação entre a sociedade em rede e o poder da identidade. Afirma Castells as famílias, tal como conhecemos, tornar-se-ão relíquia em um futuro próximo, fazendo-nos sentir, às vezes dolorosamente, os abalos dessa transformação. Essas modificações têm causas múltiplas. A primeira é a inserção da mulher no mercado de trabalho, fazendo com que a contribuição financeira das mulheres passassem a ser decisiva no ambiente doméstico. Tal fato levou ao questionamento da acumulação de afazeres domésticos, dando suporte aos primeiros movimentos feministas. Estes, baseados na idéia de pôr fim à dominação masculina”, tem caráter variado, buscando a igualdade, a diferenciação ou a separação em relação ao homem, mas sempre negando a identidade da mulher conforme definida pelos homens e venerada na família patriarcal. As mulheres aderiram positivamente ao movimento, principalmente porque não se associa a nenhuma posição ideológica. O feminismo, como uma identidade coletiva, tornou-se o estandarte contra todas as causas da opressão feminina. Aliás, a força e a vitalidade do movimento está justamente na sua diversidade, no seu poder de adaptar-se às culturas e às idades. O autor passa, então, a classificar e explicar as tendências do movimento, com a seguinte tipologia: direitos da mulher; feminismo cultural; feminismo essencialista; feminismo lesbiano; identidades femininas específicas; feminismo pragmático. Em síntese, a tarefa fundamental do movimento é descobrir a identidade feminina destituindo as instituições sociais da marca de gênero. O autor menciona, então, os movimentos de liberação lesbiano e gay. Esses movimentos não são simples defesas do direito de escolher a quem amar, mas expressões poderosas de identidade sexual. O esmaecimento das fronteiras sexuais desestruturam a família, a sexualidade, o amor, o gênero e o poder, dando lugar a uma crítica cultura fundamental do mundo, forçando um debate amplo na sociedade. Por outro lado, a família patriarcal, em crise, exige uma constante negociação de papéis, o que determina, por exemplo, o compartilhamento da criação dos filhos. Uma fuga em direção à uma sociedade aberta levará à violência social até que novas formas de coexistência sejam encontradas. Essas novas estruturas pós-patriarcais dependerão, essencialmente, da forma como os movimentos se relacionarão com o Estado, último refúgio do patriarcalismo.
Nesse novo mundo, o Estado está destituído de poder? O questionamento deriva da percepção de que a (re)construção da identidade nacional passou a enfrentar o desafio imposto pelas identidades múltiplas, em um momento em que o aparato instrumental do Estado está comprometido pela globalização, pela economia integrada em escala global e pela dificuldade no controle das informações. Além, há uma incapacidade do Estado de lidar com temas globais, o que leva à privatização das responsabilidade pela cidadania global, minando os princípios que justificam a existência do Estado-nação, que cede soberania a organismos internacionais ao mesmo tempo que tem que delegar poderes a administrações locais, pela impossibilidade de atender simultaneamente uma ampla gama de exigências das múltiplas identidades, potencializados por novos meios eletrônicos de comunicação. O Estado, portanto, busca reconstruir sua legitimação por meio das redes transnacionais e integrando sociedades civis locais. Todavia, o novo sistema de poder é caracterizado por uma pluralidade de fontes de autoridade, sendo o Estado apenas uma delas, como um nó de uma rede mais abrangente, colocando em questionamento uma soberania absoluta. Os Estados transformam-se, assim, de estados soberanos a atores estratégicos.
Todos esses fenômenos levam à uma crise da democracia e a uma indefinição da cidadania, tendo em vista a diluição do controle social e debilidade da representatividade política tradicional, baseada nas organizações e estratégias da era industrial, obsoleta diante dos fluxos informacionais. Nesse mundo de Estado em declínio, estar ou não no poder não diferencial as possibilidades de acesso ao dinheiro e ao poder, ou ainda a contribuição para causas humanitárias. Como desdobramento, há uma migração da participação social para a política simbólica, em mobilizações em torno de um único tema, do localismo e da política de referendo. Diante dessa diversidade de fenômenos, apontam-se três alternativas básicas para a nova política democrática, a política informacional: a primeira é a recriação do Estado local, cujo limite é dado pela acentuada fragmentação do Estado-nação; uma segunda é o desenvolvimento da política simbólica e mobilização em torno de causas “não-políticas”, que poderia integrar o processo de reconstrução da democracia na sociedade em rede; e a terceira é oportunidade oferecida pela comunicação eletrônica para aprimorar a participação política e comunicação horizontal entre os cidadãos. Assim, se a representação política e os responsáveis pela tomada de decisão tiverem condições de estabelecer uma relação com essas novas fontes de contribuição de cidadãos interessados em política, um novo modelo de sociedade civil pode ser reconstruído, possibilitando a popularização da democracia, via eletrônica.
Em conclusão, na Era da Informação há um esvaziamento do das instituições da era industrial, com a dissolução da sociedade como sistema social relevante. Assim, projetos individualistas e identidades de resistência, que pouco se comunicam por seu caráter comunal, estão difundidas nas sociedades, o que é resultante da dissolução das identidades anteriormente legitimadoras da sociedade industrial. A principal questão, portanto, passa a ser o surgimento de identidades de projeto, que parecem desenvolver-se justamente a partir das identidades de resistência: religiosas, nacionalistas, étnicas, territoriais, feministas e ambientalistas. Quem ou que quer que vença a batalha pelas mentes, sairá vitorioso. Como estamos historicamente acostumados à mudanças sociais condicionadas a batalhões bem ordenados, ficamos pertidos com as mudanças simbólicas sutis de dimensões cada vez maiores, determinadas por redes multiformes e distantes da cúpula do poder. É aí que nascem os embriões de uma nova sociedade, germinados nos campos da história pelo poder da identidade.
Resumo do Capítulo 5 - Um Estado destituído de poder? Castells intitula o capítulo 5 com um questionamento: Um Estado destituído de poder? A pergunta possui uma resposta aparentemente ambígua: há decadência do poder do Estado, mas o mesmo mantém sua influência. Para explicar essa situação, Castells relembra que a identidade nacional é criada pelo próprio Estado, inclusive pela apreensão do tempo histórico e apropriação da tradição. Entretanto, esse controle hoje é desafiado por múltiplos fluxos de poder. A globalização, econômica, midiática e comunicacional, retirou muitos dos instrumentos de dominação estatal. O trânsito quase imediato de recursos financeiros internacionais cria dificuldades cada vez maiores para um controle sobre a economia pelos governos. Além disso, a transnacionalização da produção de bens e serviços deixa pouco espaço para o Estado-Nação criar diferenças substanciais de benefícios sociais e diminuindo, portanto, as possibilidades de legitimação perante a sociedade mediante políticas públicas. Em síntese, o Estado perdeu grande parte de seu poder econômico, permanecendo, contudo, com relativo controle sobre os sujeitos. Por outro lado, o controle sobre a mídia, que sempre foi sustentáculo de controle do Estado, tem sofrido enorme segmentação, diversificação e interatividade, dificultando o controle por regulamentação estabelecido tradicionalmente. A comunicação mediada por computador igualmente está fora do alcance do Estado, em uma nova era de comunicação extraterritorial, em um pesadelo para o Estado-Nação. Não há dúvida, ainda, de que as características multipolares de poder que rege as relações internacionais deixam evidentes as limitações impostas ao Estado na tomada de decisões que afetam o sistema, ainda que expressão de um conceito de soberania. Assim, os limites de sua legitimidade são expressos, por exemplo, quando se discute a administração do meio ambiente planetário. Essa incapacidade leva as sociedades civis a assumirem as responsabilidades pela cidadania global, em um processo de “privatização” do humanitarismo global, que vai corroendo um dos últimos princípios lógicos que justificam a existência do Estado. Assim, espremido entre as limitações internacionais e as pressões internas de grupos de interesse cada vez mais fragmentados, o Estado cede parte de sua soberania para formação de blocos multinacionais (garantindo assim sua durabilidade), bem como busca descentralizar suas atividades típicas internas às administrações locais, uma vez que não consegue, sozinho, satisfazer as demandas sociais, no que Habermas denomina “crise de legitimação”. Tal situação não determina a derrocada do Estado-Nação, mas lhe tem um alto preço pela redução de sua importância na rede de fluxos de poder, comprometendo sua legitimidade e agravando ainda mais sua ineficácia e incapacidade. Em suma, os governos nacionais são muito pequenos para enfrentar as forças globais, porém muito grandes para administrar a vida das pessoas. Para exemplificar as turbulências desse processo, o Autor passa a estudar o caso de duas nações, os EUA e o México, na década de 1990. Destaca que as crises estruturais, já citadas, que comprometem a legitimidade do Estado, interagem com o surgimento de movimentos sociais que afirmam identidades alternativas e rejeitam a legitimidade dos governos centrais e que, não obstante o pequeno porte das organizações, provocam um grande impacto sobre a opinião pública tendo por instrumento a exposição midiática através dos novos sistemas eletrônicos de comunicação. Como se vê, o Estado encontra-se submetido à uma rede de fontes de autoridade e poder da qual é apenas um dos nós, sofrendo uma concorrência de várias formas de poder: ONGs, redes criminosas, redes de capital e de produção, religiões etc. Torna-se, assim, complexo o papel do Estado, que tem que equilibrar nos âmbitos global e local a uma geometria variável, passando de sujeitos soberanos a atores estratégicos, exercendo influência considerável, mas sem poder, por si só, buscar soluções isoladas de macroforças supranacionais e dos microprocessos subnacionais.

25 de jan. de 2007

Estrutura da Dissertação: vai funcionar?



Proposta inicial para minha dissertação



Estrutura Básica





Título: Transformações da Democracia e da Política na Sociedade da Informação e do Conhecimento



INTRODUÇÃO

CAPÍTULO 1 – TRANSFORMAÇÕES NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA

Seção I – Condição Pós-moderna

Item I – Fim da Modernidade?

Item II – A Pós-modernidade e outras Idéias

Item III – Modernidade Reflexiva

Item IV – Processos Reglobalizantes

Seção II – Sociedade da Informação e do Conhecimento

Item I – Novas Tecnologias da Informação e Comunicação

Item II - As Transformações Sociais, Culturais, Econômicas e Políticas Contemporâneas

Item III – O Advento da Sociedade em Rede

Item IV – Novas Identidades Coletivas – Novos Atores Sociais

Item V – A Palavra é “Acesso”

CAPÍTULO 2 – DEMOCRACIA E POLÍTICA NO CIBERESPAÇO

Seção I – A Cibercultura

Item I – A Conexão Planetária

Item II - O Real e o Virtual

Item III – Cultura livre: Arte, Ciência e Internet

Item IV – Ciberdemocracia, Cibercidadania, Ciberpolítica, Noopolitik e variantes

Seção II – Política, Estado e Sociedade

Item I – Fim do Estado-Nação?

Item II – Governança Eletrônica - Riscos e Oportunidades

Item III – O Futuro da Democracia e a Democracia do Futuro

Item IV - Novas Perspectivas de Ação Política (democracia deliberativa)

Item V – Vontade Política e Ciberdemocracia

CAPÍTULO 3 – INICIANDO UM MODELO CONCEITUAL

Seção I – Ciberdemocracia na Prática

Item I – Estágio da Governança Eletrônica no Brasil

Item II - A Exclusão Digital

Item III – Experiência de Cidades Européias

Item IV – Fraquezas e Virtudes das Experiências Práticas

Seção II – Propostas Elementares para um Modelo de Ciberdemocracia

Item I – Conceituações e Classificações dos Modelos de Democracia Digital

Item II – Pressupostos Sociais e Tecnológicos

Item III – Proposta Sintética de um Modelo Conceitual

CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS







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24 de jan. de 2007

Carta Aberta ao Orientador

Caro professor.

Tenho continuado minhas leituras, apesar do grande aperto dos últimos 20 dias em razão das mudanças na estrutura do Estado, com a posse do novo governador e alteração de nosso Procurador-Geral. Infelizmente, por algum tempo terei (teremos?) que lidar com isso, até que consiga uma liberação total de meus serviços para concentrar-me na pesquisa. Pretendo, a partir da abril ou maio, utilizar licença prêmio de 3 meses para esse fim.
De qualquer forma, estive pensando sobre suas observações e sobre o projeto. Antes de avançar em uma necessária reformulação (com indicação de variáveis secundárias e renomeação de capítulos), como o senhor corretamente indicou, acredito que devo compartilhar uma preocupação.
Se o senhor observar, a estrutura proposta dos capítulos passa por uma parte inicial de caráter eminentemente sociológico, explorando as intrigantes questões que afetam a forma de organização social, econômica e política contemporânea. Neste capítulo, pretendo deixar claro meu posicionamento quanto a questão da (pós)-modernidade, já que é esta é parte do trabalho que oferecerá as bases da perspectiva teórica sustentará minha pesquisa nos demais capítulos. Isso passa, portanto, por uma decisão. É sobre ela (a decisão sobre como vejo a modernidade tardia-reflexiva) que quero discutir, porque é condição sem a qual não conseguirei avançar no estudo.
No livro “Modernização Reflexiva”, há uma série de idéias convergentes entre Beck, Giddens e Lash, mas acredito que há divergências tão-grandes quanto. Giddens parece ser o mais convervador dos três. Sua visão dos sistemas especialistas como mediador das transformações sociais, ainda que formulado sobre uma idéia de participação ativa dos indivíduos leigos, não deixa muito espaço para uma interpretação mais “revolucionária” da democracia. Já Beck, com sua formulação da “subpolítica”, avança quando estabelece a possibilidade de maior horizontalidade das instituições políticas, inclusive fora do Estado. É interessante sua idéia de sociedade de risco e a necessidade de maior participação dos movimentos sociais. Mas, então, na obra, chegamos às considerações de Lash, que está me colocando em angustiosa dúvida.
Lash considera que tanto Giddens quanto Beck, ainda que eventualmente refutem a idéia, demonstram, em suas teorias, uma profunda crença nas instituições. Ainda que Beck recuse os sistemas especialistas como mediadores das transformações sociais, avançando para participação de movimentos sociais, essa idéia se apresenta ainda amarrada a instituições formais, afastando a possibilidade de uma democracia participativa da política leiga, dos movimentos sociais informais. Lash pensa assim porque ele parece estar mais afinado com as idéias do pós-modernismo que os outros dois autores. Giddens rejeita a fusão do que ele classifica como “pós-modernidade” e “pós-modernismo”, o primeiro em um aspecto cognitivo e o segundo em termos estéticos, ou seja, separa o cognitivo do estético.
Como o senhor pode observar, meu segundo capítulo proposto refere-se a uma visão mais filosófica do tema da dissertação, passando por uma discussão acerca da questão estética envolvida nas relações sociais contemporâneas, principalmente no ciberespaço. Assim estruturei porque imaginei, como Lash, que não há como dissociar o indivíduo político na esfera pública das influências da arte e da cultura.
Entretanto, essa escolha faz com que o trabalho apresente-se de forma bastante alongada, já que no terceiro capítulo ainda há um debate sobre que envolve ciência política, direito e sociologia. Além disso há uma pesquisa empírica e a formulação de uma proposta conceitual, previstas no último capítulo.
Percorri todo esse caminho para explicar minha dúvida: mantenho a estrutura completa, passando pelo aspecto hermenêutico (estético), como acho necessário, ou devo ser mais “realista”, com a eliminação do segundo capítulo (sobre cibercultura) e redução do terceiro, o que tornará mais factível o trabalho? Caso opte pela redução, também não será nenhum absurdo teórico, já que me aterei ao aspecto cognitivo, como faz Giddens e Beck. Contudo, a conclusão certamente não será a mesma e, talvez, não satisfatória.
Em um círculo vicioso, se mantiver a estrutura, tenho receio de não dar conta adequadamente da jornada.
Em síntese (?) são essas as minhas preocupações que quero compartilhar. Espero que tenha me feito compreender, bem como aguardo um pronunciamento e um “norte” para seguir meu caminho.
Bom, de qualquer maneira deveremos entregar o primeiro capítulo até o meio de fevereiro, o que não me dá muito tempo (o primeiro capítulo não depende da decisão acima mencionada).
A banca do projeto ocorrerá, segundo dizem, em meados de março. Ainda falta avançar bastante, o que não me dá muitas esperanças de, ainda nas duas primeiras semanas de fevereiro, oferecer um capítulo primeiro próximo do definitivo, senão algo como um esboço do mesmo. Pretendo submetê-lo ao senhor para análise, porém não em um prazo muito curto, por todas as circunstâncias já explicadas.
Aguardo ansiosamente um contato.
Agradeço imensamente todo o auxílio.
Um abraço,

Rodrigo Neves

Giddens - A Vida em uma Sociedade Pós-Tradicional

A Vida em uma Sociedade Pós-Tradicional (Anthony Giddens) - Modernidade Reflexiva.

Um sentimento de transformação e início de uma nova era já foi identificado com a ocorrência do fim do século. Isso pode justificar algumas interpretações contemporâneas de nossa realidade, mas não explica tudo. De fato, vivemos em um período de evidente transformação. No aspecto econômico, por exemplo, a produção mundial aumentou enormemente e o comércio mundial cresceu ainda mais, com destaque para o comércio invisível (serviços e finanças). A modernidade tornou-se experimental e estamos presos a uma grande experiência fora de nosso controle, em uma aventura perigosa que todos somos obrigados a participar. Vivemos em uma era pós-tradicional. Tradição poderia ser conceituada como a cola que une ordens sociais pré-modernas, uma ligação à memória coletiva mantida por guardiães e que envolve ritual, ligado ao que se pode dizer como verdade formular. Difere-se do costume porque tem uma força de união que combina conteúdo moral e tradicional. Ela é mais importante quando não é compreendida como tal. A verdade formular, por sua vez, é a atribuição de uma eficácia causal ao ritual, sendo aplicada ao conhecimento e não ao conteúdo proposicional dos enunciados. Em uma sociedade sem tradições a vida vem acompanhada da exigência de uma série de decisões. Nesse contexto, não temos outra escolha senão decidir como ser e como agir. Todas as áreas da atividade social são governadas por decisões, geralmente baseadas em sistemas especialistas. Essas decisões sofrem, por ser escolha de alguém, um reflexo das próprias relações de poder preexistentes. Atos interpretados como renascimento da tradição, como os movimentos ocidentais de filiação ao hinduísmo, budismo ou paganismo pré-cristão, são, na verdade um processo de decisão de adoção da tradição como um estilo de vida e não uma tentativa de reintroduzir a natureza como era anteriormente. Por essas razões, a tradição é uma forma de identidade, pessoal e coletiva, que pressupõe um significado e um processo constante de recapitulação e reinterpretação. Portanto, as ameaças às tradições são muitas vezes percebidas como ameaças à própria identidade do eu. A sociedade pós-tradicional sofre, assim, um conflito entre a tradição e a especialização. Esta, ao contrário daquela, é desincorporadora, não tem local determinado e é descentralizada (toda forma de conhecimento local é uma recombinação de conhecimentos de outros lugares). A especialização está ligada a uma crença na correção do conhecimento e de um ceticismo metódico, envolvendo processos intrínsecos de especialização e interagindo com a reflexividade institucional crescente. Em razão de sua forma móvel, é tão destruidora quanto estabilizadora das hierarquias de autoridade. Os sistemas descentralizados abrem-se a qualquer pessoa que tenha tempo, recursos e talento para manipular o conhecimento, não sendo o local qualidade relevante para sua validade. Os especialistas, dessa maneira, passam a discordar entre si não somente para defender suas posições, mas primordialmente para superar suas diferenças. Esse mundo de autoridades múltiplas é muitas vezes (erroneamente) referida como pós-modernidade. A ciência perdeu sua autoridade, com a desilusão com a tecnologia, que trouxe, dentre outras coisas, duas guerras mundiais e a projeção de uma catástrofe ecológica. Isso faz com que a relação de confiança entre especialistas e os indivíduos leigos passe por uma transformação, já que a suposição da competência técnica é passível de revisão. Com relação à tradição, o que proporciona seu caráter genuíno não é o seu estabelecimento há milhares de anos nem a retenção exata de acontecimentos passados, mas mediação do passado real, não necessariamente conhecido, passando a própria tradição a ser o significado principal. Esse embate entre tradição e especialização ocorre em um mundo cada vez mais globalizado. A primeira fase da globalização se caracterizou pela expansão do ocidente. Todavia, hoje, não é mais um imperialismo unilateral. Todos influenciam todos, em maior ou menor escala, razão pela qual a atual fase da globalização não deve ser confundida com a fase precedente. Eis a razão pela qual a sociedade pós-tradicional é a primeira sociedade global. Em razão do rápido avanço das comunicações eletrônicas instantâneas e dos transportes nas últimas décadas, os redutos do tradicionalismo foram invadidos, em um mundo onde agora ninguém é “forasteiro”. A tradição, nesse passo, somente persiste na medida em que se tornampassíveis de justificação discursiva, em um diálogo aberto com outras tradições e foramas alternativas de fazer as coisas. Essa sociedade pós-tradicional é um ponto final, mas também o início de uma nova experiência de uma sociedade de espaço indefinido, onde os elos sociais devem ser construídos e não herdados, em uma jornada tão difícil quanto promissor de grandes recompensas, inclusive a democracia no âmbito da ordem global. Essa potencialidade não significa necessariamente realidade. As diferenças entre ricos e pobres, a dúvida radical e as incertezas sociais são elementos a serem considerados. Mas, de fato, existem possibilidades de alcançarmos uma “democracia dialógica”, por meio da renovação da política. Talvez, como humanidade coletiva, não estejamos condenados à fragmentação nem à jaula de ferro de Weber.

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23 de jan. de 2007

Beck - Reinvenção da Política

Modernização Reflexiva

A idéia do livro foi de Ulrich Beck, contando com a adesão de Scott Lash e Antony Giddens. Os três autores identificaram pontos em comum nas teorias que desenvolvem, convergindo para o que decidiram charmar de “reflexividade” da modernidade. O método de construção da obra constitui-se por textos dos autores, seguidos de “réplicas” dos mesmos como feedback dos posicionamentos adotados pelos demais.

Capítulo 1 – Reinvenção da Política: Rumo a uma teoria da modernização reflexiva (Ulrich Beck).

Afinal, o que é modernização reflexiva? Pode-se dizer que é a possibilidade de autodestruição da sociedade industrial, onde o sujeito dessa revolução constitui, paradoxalmente, a vitória da modernização ocidental. A verdade é que uma série de modificações na sociedade contemporânea se deu fora das estruturas da modernidade simples, como uma conseqüência da própria modernidade. Ou seja, essa transição se deu fora das estruturas ortodoxas da política, contrariando as previsões, inclusive da sociologia clássica.

A Reflexividade se dá, asssim, em uma sociedade caracterizada pelo gerenciamento do risco. A modernidade gera perigos que não consegue mitigar. A sociedade, entretanto, na busca das soluções, ainda toma decisões segundo padrões da velha sociedade industrial, obscurecendo as organizações de interesse, o sistema judicial e a própria política.

Vê-se, dessa maneira, que “modernização reflexiva” refere-se à circunstância em que há uma autoconfrontação (e não uma reflexão, no sentido de compreensão cognitiva). Assim, “modernização reflexiva” significa a autoconfrontação com os efeitos da sociedade de risco e que não foram resolvidos pela sociedade industrial, cujas instituições não estão preparadas para a mudança.

Por outro lado, as modificações das últimas três décadas levaram a um “processo de individualização” - que não significa aquela individualidade do liberalismo (atomização, isolamento, solidão, desconexão), mas a possibilidade de construção da biografia pelos próprios indivíduos (decisões básicas sobre sua própria história). As oportunidades e riscos dessa construção, contudo, não encontram mais nenhum suporte na comunidade ou no grupo social, o que poderia servir de conforto.

Além disso, nessa sociedade de gerenciamento de riscos, é muito difícil estabelecer, por exemplo, uma lista hierárquica de valores sobre riscos das empresas, dos empregos, da saúde e do ambiente, obscurecendo o horizonte à medida que os riscos crescem.

A sociedade industrial, portanto, e o Estado, por conseqüência, estão sujeitos à racionalidade instrumental. Contudo, a sociedade de risco e sua imprevisibilidade e efeitos colaterais conduzem, contraditoriamente, a um reino de incerteza e de ambivalência. Em suma, ao reino da alienação.

Nesse contexto, os instrumentos de coordenação social da modernidade simples são insuficientes para lidar com a ambivalência. É assim que essa ansiedade invade as sub-regiões individuais, desconsiderando limites regionais, nacionais, políticos e científicos, servindo de base para uma autocrítica da sociedade.

Essa crítica pode ocorrer no padrão de controle racional instrumental ou por meio de um repensar, que aceite a ambivalência na sociedade em risco. A primeira forma é o que podemos considerar como linear; a segunda é reflexiva.

A reflexividade da modernidade e a individualização dos indivíduos leva a que cada um tenha que decidir sua biografia, justamente nesse contexto de incerteza. “Individualização” é, portanto, a desincorporação e, após, a reincorporação dos modos de vida da socidedade industrial de uma maneira diferente, onde os indivíduos devem produzir, representar e acomodar suas próprias biografias (daí a palavra individualização).

Na sociedade industrial clássica, as formas coletivas de viver faziam (fazem) supor que a classe indica a família nuclear, que presume os papéis do sexo, a divisão do trabalho entre homens e mulhres e também o casamento. Hoje, essas pressuposições não são mais válidas. O indivíduo é ator, planejador, prestidigitador e diretor de sua própria biografia, identidade, redes sociais, compromissos e convicções. Assim, a biografia padronizada dá lugar à uma biografia escolhida (ou do tipo faça-você-mesmo – Ronald Hitzler).

Essa individualização não se resume à vida privada, extrapolando para o político. Como conseqüência, as instituições estão se tornando irreais.

Em suma, emerge um mundo duplo, caótico de conflitos, jogos de poder, instrumentos e arenas que se vinculam a duas épocas diferentes: a do “não ambíguo” e aquela da modernidade “ambivalente” (Bauman). Disso resulta instituições políticas vazias bem como o renascimento não institucional do político (subpolítica), fazendo com que o político ultrapasse as barreiras das hierarquias formais. Tal fenômeno é muitas vezes mal compreendido, principalmente por aqueles que vinculam a política ao próprio Estado.

Assim, as estruturas políticas da sociedade industrial estão se tornando um não político e o que não era político assim passa a se constituir, em uma mudança da categoria do político sem as correspondentes alterações nas instituições e nas elites. (assim, procuramos o político no lugar errado, nas tribunas erradas e nas páginas erradas dos jornais) + citação p. 30.

É certo, portanto, que a classificação da política em direita e esquerda já não é possível, assim como não é possível a classificação de conservador e socialista, retraimento e participação. Isso porque todos são radicais e conservadores, ecológica e antiecologicamente, política e não-políticamente, tudo ao mesmo tempo, fazendo desaparecer a clareza daquelas classificações.

Neste caminho, relembra-se que a ciência política estabeleceu o conceito de política em três aspectos: A constituição institucional da comunidade política na sociedade (polity); As políticas públicas (policy); e o conflito com relação à divisão e posição de poder (politics).

O conceito de subpolítica (sub-politics), assim, conceitua a situação em que agentes externos ao sistema político ou corporativo participem do planejamento social, seja por meio de grupos ou mesmo individualmente. A aplicação desse conceito na divisão clássica da ciência política gera uma série de indagações referentes ao funcionamento dessa nova maneira de participação política, como fontes de poder, forma de organização, estratégias, fóruns, coalizões etc. Esse processo da subpolítica significa, portanto, moldar a sociedade de baixo pra cima.

Devemos, nesse sentido, buscar investigar a síntese desses códigos, para que possamos conhecer as origens de sua produção, buscando alcançar uma percepção que integre arte e ciência, tecnologia e ecologia, economia e política.

Nesse novo mundo, constata-se que a migração da tecnologia de seu contexto militar e econômico para a sociedade industrial, transformando-a, é comparável à abolição da ordem feudal divinamente ordenada. A questão tecnológica, portanto, deve ser tratada com todo o seu potencial, afastando-a tanto quanto possível do aspecto econômico, devendo ser tratado como uma atividade oficial, assim como aconteceu com a educação no século XX.

Assim, constata-se que a nova sociedade deve aprender a lidar com a ambivalência característica de nossa condição pós-moderna. Para isso, deve deixar de lado a concepção de que os sistemas especialistas sabem exatamente o que é certo e bom para todos (desmonopolização da especialização), não devendo aceitar que a forma de participação não continue fechado por questões internas aos especialistas (informalização da jurisdição). Sua participação deve partir do princípio de que influenciará efetivamente as decisões, não sendo a participação mera ratificação de uma decisão anterior (abertura da tomada de decisão), bem como a negociação a portas fechadas entre especialistas e tomadores de decisão deve ser transferida para um diálogo entre uma variedade de agentes (criação de um caráter público parcial. Por fim, deve-se buscar um ideal onde as normas do processo devem ser amplamente negociadas entre os atores (auto-legislação e auto-obrigação).

As instituições que suportem esse tipo de atividade devem ultrapassar as velhas estruturas de não-ambigüidades, estabelecendo novas estruturas e procedimentos, destruindo os monopólios e delegando o poder. Não será a solução final para o consenso, mas estimulará a prevenção e a precaução e atuará em direção à uma simetria de sacrifícios inevitáveis.

Pelo dito, vê-se que, em relação à tecnologia, há necessidade de criação uma “Câmara Superior” ou “Tribunal de Tecnologia” que possa garantir a divisão de poderes entre o seu desenvolvimento e implementação, em razão da própria necessidade de articulação da nova política.

Vê-se, por tudo quanto já mencionado, que a modernização reflexiva significa, acima de tudo, uma “reforma da racionalidade”, que permita lidar com a ambivalência em uma modernidade que está abolindo suas próprias categorias de ordenação. Nessa modernidade, tudo é um pouco político e, portanto, nada mais é político.

Há que se estabelecer, então, uma política da política. Sabe-se que a política oficial opera no sistema de regras da sociedade industrial e do Estado-nação. Já a política que altera regras, a subpolítica, no sentido da política subsistêmica autônoma, almeja a citada “política da política”. Assim, a distinção entre política oficial e subpolítica é a distinção entre política “simples”, dirigida por regras, e política reflexiva, que altera as regras. Ocorre dessa maneira porque iniciamos uma nova invenção do político, onde a estrutura do Estado-nação e o sistema de regras não é o ponto de partida de o novo território do político, do geopolítico ou da sociedade de risco global. Isso faz com que as instituições atuais sejam incapazes de alcançar os objetivos traçados. Devemos exercitar a luta por espaços, formas e fóruns de formatação de estilo e de estrutura, dentro e fora do sistema político.

Essa percepção não leva apenas à redefinição das áreas de responsabilidade do Estado, mas antes uma questão de revisão de tarefas supostamente “eternas” e de instituições que duram mais que sua utilidade. Nesse contexto, a política reflexiva não significa apenas invenção. Significa o desaparecimento do político.

O passo é necessário porque se as instituições alternativas, que possam permitir essa atuação na subpolítica, não estiverem disponíveis nessa transição, começará uma fuga, em razão da necessidade de um ponto referencial na sociedade, para a simulação de antigas certezas, fadadas ao insucesso.

A nova ordem, portanto, deve ser criada, forjada e formada. Somente a rede permite a formação de poder ou de poder de oposição.

Esse contexto de novas estruturas, individualização e ambivalência levam a uma série de perguntas: quem sou eu? O que eu quero? Para onde estou indo? Ou seja, os pecados originais do individualismo levam a uma nova identidade do político: a política de vida-e-morte, patrocinada pelos conhecimentos técnicos que estabelecerão uma surgente política genética, estabelecendo antagonismos.

Exemplarmente, temos que uma determinada área do conhecimento científico, que busca a clareza e certeza de suas afirmações, ao aceitar a profundidade e contradições da construção teórica, chegará paradoxalmente à conclusão de impossibilidade de se alcançar tal meta científica.

Estes antagonismos vão, dessa maneira, causar impactos nos guardiães da racionalidade, os especialistas, já que se questiona o quanto as atividades alternativas afeta e até irrompe as fileiras da racionalidade especializada.

Esse contexto, vinculado a uma depressão profunda, aliada ao desemprego em massa, mina a autoconfiança do povo e sugestiona o ressurgimento de antigas estruturas da industrialização, incompatíveis com a ambivalência da modernização reflexiva.

A Era do Acesso

Síntese do livro "A Era do Acesso", de Jeremy Rifkin:



O autor busca, neste livro, demonstrar que vivemos em uma transição de um mundo capitalista industrial para um capitalismo cultural. Para ele, o mercado está se apropriando das culturas, que é sua matéria prima, transformando tudo em commodities. Para isso, desenvolve o raciocínio de aos poucos estamos deixando para trás a vinculação à propriedade para dependermos cada vez mais de acesso a experiências de vida. Nesse contexto, mais vale ter o acesso do que ter o bem. Demonstra através de extensos exemplos na economia, como os aluguéis, leasings etc, o que daria azo a uma economia sem peso, onde tudo se transformaria em serviços. Sustenta que essa invasão do mercado no âmbito cultural está transformado até mesmo as relações humanas em commodities, o que reitera diversas vezes ao longo do livro. Assim, o novo homem metamórfico da pós-modernidade tem o acesso como um modo de vida, vivendo mais de redes e de comunicações vitualizadas que de contatos face-a-face, o que enfraquecereia os laços culturais mais fortes da sociedade, e que é o que qualifica verdadeiramente as relações humanas. Experiências advindas apenas de relações culturais não são suficientemente profundas para solidificar as sociedades. O autor, todavia, não despreza o fato de que essa é uma verdade para apenas 20% da população mundial, já que grande parte das pessoas ainda lutam por um mínimo de bens materiais, inclusive alimentação. Diz, ainda, que a divisão digital entre conectados e conectados será um fenômeno ainda mais grave na Era do Acesso que a divisão entre pobres e ricos na Era Industrial, já que a cultura é estabelecida, basicamente através da comunicação, e as comunicações acontecerão cada vez mais por meio de mundos virtualizados. Como saída, ele vê a necessidade de fortalecimento do terceiro setor e, juntamente com o treinamento dos jovens para lidar com as novas tecnologias, outros espaços, estes geográficos, de interação entre as pessoas devem ser proporcionados, sob pena de perda da essencial cultural dos povos e degradação das relações humanas, que teria conseqüêncais inimagináveis.







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4 de jan. de 2007

Subpolítica

Estou lendo o livro "Modernização Reflexiva", que conta com a colaboração de Anthony Giddens, Ulrich Beck e Scot Lash. O nome da obra pode induzir à uma compreensão indevida do termo "reflexivo". Segundo Beck, o conceito não implica (como pode sugerir o adjetivo "reflexivo") reflexão, mas (antes) autoconfrontação.

Sendo assim, "modernização reflexiva" significaria autoconfrontação com os efeitos da sociedade de risco que não podem ser tratados e assimilados no sistema da sociedade industrial.

Mas, pra falar a verdade, uma passagem que me chamou muito a atenção, no escrito de Beck, refere-se à questão das novas formas de (re)construção da política e o papel das instituições tradicionais. Vejamos a passagem da pág. 43:



Primeiro, as pessoas devem dizer adeus à noção de que as administrações e os especialistas sempre sabem exatamente, ou pelo menos melhor, o que é o certo e o bom para todos: desmonopolização da especialização.

Segundo, o círculo de grupos com permissão de participar não pode continuar fechado em razão de considerações internas aos especialistas, mas, ao contrário, deve estar aberto de acordo com padrões i sociais i de importância: informalização da jurisdição.

Terceiro, todos os participantes devem estar conscientes de que as decisões ainda não foram tomadas e agora precisam apenas ser "vendidas" ou implementardas externamente: abertura da estrutura da tomada de decisão.

Quarto, a negociação a portas fechadas entre os especialistas e aqueles que tomam decisões deve ser transferida para - e transformada em - um diálogo entre a mais ampla variedade de agentes, tendo como resultado um descontrole adicional: a criação de um público parcial.

Quinto, as normas para este processo - modos de discussão, protocolos, debates, avaliações de entrevistas, formas de votação e aprovação - devem ser resolvidas de comum acordo e sancionadas: autolegislação e auto-obrigação.

As instituições de negociação e mediação deste tipo devem experimentar procedimentos novos, estruturas de tomada de decisão, sobreposições de competência e incompetência e jurisdições múltiplas. Elas não podem mais existir sem a destruição dos monopólios e da delegação do poder, como também não poderiam fazê-lo com as velhas exigências com os modelos de não-ambigüidade eficiente.

...

Os fóruns de negociação certamente não são máquinas de produção de consenso com garantia de sucesso. ... Entretanto, podem estimular a prevenção e a precaução e atuar rumo a uma simetria de sacrifícios inevitáveis.





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