Inicia-se com a tipologia pioneira formulada por Martin Hagen em meados da década de noventa, que foi pensada e adequada ao sistema político norte-americano para formação do que o autor chama de uma “teoria americana de democracia digital” .
Ele apresenta três tipos de democracia eletrônica, cada qual representando uma forma diferente de se perceber as realidades política e democrática e as oportunidades oferecidas pelas TICs: a teledemocracia: representando a pretensão de superação do sistema democrático representativo por um sistema de democracia direta, com a utilização das novas tecnologias para realização de voto eletrônico e o ativismo político por meio de melhor informação; a ciberdemocracia: que é conseqüência da expansão da Internet, tendo por finalidade a busca de uma verdadeira democracia através da organização do espaço virtual, tendo o ativismo político e a discussão como forma de participação política. Sua preocupação maior é (re)criar comunidades (virtuais ou não) como estruturas a partir da qual se possa enfrentar as formas centralizadas de governo; e, por último, a democratização eletrônica, que pretende aperfeiçoar e melhorar a democracia representativa pela expansão dos canais e fluxos de informação por meio da utilização das TICs. Destaca essa proposta, portanto, a importância das redes de telecomunicação como ferramentas de fortalecimento da sociedade .
Uma segunda possível tipologia é aquela apresentada por Bellamy, em trabalho conjunto com Hoff, Horrocks e Tops. Segundo os autores, não há uma busca de tipos ideais na classificação, mas sim uma tentativa compreender como a utilização das TICs afetam as práticas e discursos contemporâneos sobre a democracia, em uma abordagem derivada “de uma perspectiva que situa tanto a prática quanto a retórica das políticas democráticas e de seus contextos históricos específicos” .
Assim, utiliza como critérios de classificação: a visão sobre a cidadania, o valor democrático predominante, o nexo político, a forma de participação, o intermediário político e a norma procedimental envolvidos na questão. Cada um dos quatro modelos apresentados lida de uma maneira específica com as ameaças e oportunidades das TICs frente à democracia. Resulta dessa formulação a seguinte classificação: a democracia dos consumidores; a democracia elitista; a democracia neo-republicana; e a ciberdemocracia . Passa-se a uma breve descrição de cada uma.
A democracia de consumidores compartilha com a democracia elitista a aceitação acrítica da institucionalidade das democracias, inclusive o papel dos parlamentos, eleições e dos partidos políticos . Possui como características principais, portanto, a valorização do voto e das eleições como elemento mais importante da vida política e a predominância da burocracia no funcionamento das democracias, razão pela qual entende ser importante oferecer aos indivíduos o maior grau de informação possível, em quantidade e qualidade. O uso das TICs, assim, deve servir à criação de canais de comunicação para que os cidadãos possam transmitir as suas demandas com segurança e rapidez até as instâncias decisórias .
Já a democracia elitista tem origem no pensamento socialdemocrata, desenvolvendo-se a partir da afirmação de que a população está mais interessada em direitos socioeconômicos que em maior participação ou aprofundamento das liberdades civis. Centra a atenção, portanto, na composição dos especialistas responsáveis pela harmonização dos interesses em competição, o que ocorre por meio da institucionalização dos interesses corporativos. O uso das TICs nesse modelo refere-se, dessa forma, à melhora da qualidade dos sistemas representativos, como a descentralização dos locais de votação, o uso da Internet nas eleições, as conversas interativas on-line entre representantes e eleitores, e os fóruns e debates eletrônicos. Visa o reforço dos fluxos de informação e comunicação verticais, em detrimento dos horizontais .
Outra tipologia apresentada por Bellamy é a da democracia neo-republicana, que propõe o fortalecimento institucional da sociedade civil, com destaque para a qualidade da participação em nível micropolítico e local. Baseia-se, assim, em uma concepção ativa da cidadania ligada a três antecedentes tradicionais da teoria política: o resgate de valores comunitários, o pensamento aristotélico defensor de uma vida ativa na pólis e o humanismo marxista e sua proposta de promoção de uma sociedade civil autônoma. A partir dessa visão eclética, concebe-se a política como uma atividade compartilha visando superar o individualismo. Quanto ao uso das TICs, espera-se que as mesmas possam construir uma réplica eletrônica da Ágora ateniense, ou seja, a criação de uma esfera pública virtual mediada por redes de telecomunicação, onde se possa expressar a cidadania ativa .
O último modelo apresentado por Bellamy, no livro editado por Hoff, Horrocks e Tops, trata da ciberdemocracia, um modelo que se afirma estar ainda em formação e, portanto, sujeito a modificações . Diferentemente do modelo anterior, a ciberdemocracia é deslocalizada, já que as intermediações são virtuais, característica que torna problemática a análise desse modelo. As redes de cidadãos giram em torno de questões relacionadas a temas específicos, tendo como fundo teórico a identidade, o objeto e o sujeito da análise da pós-modernidade e suas dinâmicas em redes . Nesta perspectiva, as cibercomunidades podem substituir a política tradicional que, em crise, gera uma frágil coesão à base de marginalizar e tornar invisível o outro diferente .
A tipologia apresentada acima, entretanto, encontra dificuldades ao ser aplicada na realidade. Joan Subirats propôs, então, introduzir novos critérios de forma a aclarar as fronteiras que permaneciam difusas, articulando a tipologia de forma mais próxima da realidade. Inclui-se, assim, a divisão entre políticas publicas (policy, em inglês) e política referente às relações entre estado e cidadão (polity, em inglês). Considera-se, igualmente, as possibilidades de melhoria e inovação das instituições parlamentares atuais, de forma a explorar meios alternativos de tomada de decisões e de gestão de políticas públicas, de maneira a incorporar uma cidadania plural, característica de uma concepção aberta das responsabilidades coletivas dos espaços públicos. Ao misturar esses critérios, surgem quatro estratégias ou discursos políticos diferentes para relacionar as TICs, os sistemas democráticos e seus processos de gestão e decisão .
Segundo o autor, portanto, “podemos operacionalizar o tema tratando de relacionar em um quadro as distintas alternativas que relacionam o uso das TIC com os processos de inovação democrática”.
Por último, mas não menos importante, serão descritos os modelos de Jan van Dijk, que constrói sua proposta a partir das concepções de David Held, analisando-as em uma perspectiva da teoria da comunicação . O autor, partindo do questionamento se as democracias avançadas estão mudando de forma imperceptível com o uso diário das TICs, apresenta modelos construídos tendo por critério a dinâmica do sistema político.
Van Dijk entende que somente um sumário analítico das concepções de democracia permite lidar com a amplitude do tema. Utilizando cinco dos nove modelos ideais de Held, e acrescentando um, estabelece um marco a partir do qual analisa o uso das TICs na política, o que faz a partir de duas dimensões: do significado (democracia representativa/democracia direta) e do objetivo (formação de opinião/processo de decisão). Dessa maneira, o autor chega à seguinte tipologia: democracia legalista; democracia plebiscitária; democracia competitiva; democracia libertária; democracia pluralista; e democracia participativa .
Iniciando pelas características da democracia legalista, é de se dizer que este é um modelo baseado no modelo liberal clássico, que por sua vez se fundamenta em uma concepção procedimental da democracia, da separação dos poderes e estabelecimento de freios e contrapesos entre eles. O centro do sistema político é o julgamento dos interesses heterogêneos e dos sistemas complexos através de representantes. Portanto, o sistema vê as TICs como instrumento para solucionar a defasagem informacional – entre ricos e pobres de informação - o que pode ocorrer com o suporte de mais e melhor informação para os representantes, administradores e cidadãos e pelo surgimento de interatividades que possam criar um governo transparente, mas não controlado pela sociedade, ou seja, o controle das aplicações fica sempre subordinado às elites políticas e administrativas.
O segundo modelo apresentado, de democracia competitiva, é igualmente baseado em uma visão procedimental da democracia representativa, onde a eleição é considerada a mais importante ação no sistema político e, portanto, a burocracia, os partidos políticos e os líderes com autoridade são fundamentais. O sistema competitivo se confia, assim, nos líderes e nos especialistas, que regulam o aparato do Estado, disputam interesses e solucionam conflitos com negociação e comando. Tem como prática-modelo os sistemas presidenciais - principalmente os bi-partidários - com tendências populistas. Neste tipo, as TICs servem primordialmente para serem utilizadas nas eleições e nas campanhas de informação. Portanto, o acesso a mídia de massa e a sistemas avançados de informação pública serve, primordialmente, “para dirigir-se a uma audiência segmentada e permitir assim a diversificação das mensagens em função das características do eleitorado, maximizando desse modo a obtenção de apoios e votos” .
Já a democracia plebiscitária, o terceiro modelo apresentado, propugna que o desenho e o uso de canais diretos de comunicação entre os líderes políticos e os cidadãos podem transformar a visão da política e da democracia. Sustenta que as decisões por meio de representantes devem ser reduzidas ao mínimo necessário, enquanto as decisões plebiscitárias elevadas ao máximo possível, inspirando-se na Ágora ateniense e no fórum romano. As possibilidades práticas trazidas pelas TICs estimularam reviver as suas pretensões originais e, assim, a idéia de teledemocracia foi construída, baseada na proposta de um sistema de votação e opinião pública eletrônica. Busca-se, portanto, criar canais de consulta em massa e sistemas públicos horizontais de informação - onde a informação institucional é desacreditada e relegada a um plano inferior .
Nos modelos de democracia apresentados até agora (competitivo, legalista e plebiscitário), não se apresenta nenhuma instância intermediária entre o Estado e o sistema político representativo de um lado e o cidadão do outro. O modelo de democracia pluralista, contudo, dá especial importância às organizações e associações civis e, portanto, o sistema político deveria consistir na maior quantidade de centros de poder e de administração possíveis, opondo-se à visão centralista dos modelos legalista e competitivo (que são representados por uma pirâmide). No sistema plural, o Estado deve atuar como árbitro, pois a formação de opinião na sociedade civil é mais importante que a tomada de decisão no governo Central. É uma espécie de meio termo entre a democracia representativa e democracia direta. Duas características da nova mídia o interessa especificamente: a multiplicação de canais de informação e discussão política pluriformes; e redes de comunicação interativa, que se adaptam perfeitamente à sua concepção de política. Seus instrumentos favoritos são: correspondência eletrônica, listas de discussão, teleconferência e sistemas de suporte à decisão sobre problemas complexos .
O penúltimo modelo apresentado por van Dijk, de democracia participativa, é semelhante à pluralista em diversos aspectos, a exemplo de ser uma combinação entre democracia representativa e democracia direta e de ter uma ênfase muito grande no aspecto substantivo do modelo democrático. O grande diferencial, contudo, é a mudança de foco das organizações para os cidadãos, ou seja, tem a cidadania como seu objetivo central. Propõe uma democracia direta, não no sentido plebiscitário, mas em uma proposição de cidadania ativa decorrente da idéia de que a vontade do povo não é a soma das vontades individuais e sim decorrente de significados construídos pelo debate coletivo (inspiração em Rousseau, portanto). A conseqüência lógica desse modelo é a opção por aplicações das TICs para tornar os cidadãos mais ativos, a exemplo de campanhas de informação computadoriza,das sistemas de informação pública em massa - construídos de tal forma que auxiliem na redução da diferença entre os que têm mais e os que têm menos informação e que sejam de fácil uso. Discussões eletrônicas são tomadas apenas como segunda opção, mas condicionado a que não seja um debate elitista. São condições pouco alcançadas até o momento .
O último modelo apresentado por van Dijk, o único não extraído da obra de Held, é ligado ao que parece ser o modelo surgente com os pioneiros das comunidades na Internet e nos movimentos sociais radicais das décadas de sessenta e setenta: é a democracia libertária. Ela é próxima ao modelo pluralista e plebiscitário, já que é tributária de comunidades virtuais, tele-eleições e teleconversações. O que a torna diferente é a ênfase nas possibilidades de politização anônima dos cidadãos através das TICs, com destaque para a Internet. O problema principal a ser resolvido em relação aos sistemas tradicionais seria o seu centralismo, sua burocracia e a obsolescência das instituições políticas representativas – que, por não conseguirem resolver a maior parte dos complexos problemas contemporâneos, poderiam ser superadas por meio de uma combinação entre “democracia de Internet” e livre mercado, o que alguns chamam de “ideologia californiana”. Para isso, deveriam ser utilizadas as TICs para tornar os cidadãos bem informados por meio de um avançado sistema de informações livres e confiáveis, bem como torná-los capazes de discutir essas informações através de grupos de discussão, salas de bate-papo, correio eletrônico etc. Finalmente, devem estar em posição de expressar suas opiniões por meio eleições e votações virtuais. Essas características tornam o modelo ligado tanto a um conceito procedimental quanto substancial de democracia.
Por tudo quanto mencionado, percebe-se que os debates sobre as aplicações de TICs aos sistemas políticos das democracias avançadas oscilam entre duas posições. Por um lado, há aqueles que defendem seu uso para melhoria dos sistemas representativos; e, de outro lado, há os que pretendem suplantar a democracia representativa em direção à democracia direta. Entre as posições antagônicas, ficam os que pretendem uma combinação das possibilidades para formação de um novo tipo de democracia que aproveite as vantagens dos dois sistemas .