19 de fev. de 2007

Modernidade Líquida - Cap. 4

4 Trabalho

Havia antes uma fé no progresso da história. Uma confiança de uma marcha em direção a uma vida melhor. Hoje, porém, há uma percepção de não existe uma “agência” capaz de mover o mundo pra frente, e o progresso vem sendo questionado junto com sua soberania, credibilidade e confiabilidade, demonstrando a fadiga do Estado. Ainda que as instituições da modernidade sólida permaneçam, o poder é tirado da política, pois flui em redes deslocalizadas. No capitalismo pesado, o trabalho, era visto como meio de aumento de riqueza e valorizado pela sua contribuição à manutenção da ordem e ordenação do destino humano. Porém agora, no mundo humano labiríntico, o trabalho já não tem aquele significado, constituindo apenas um episódio isolado como o resto da vida, sendo os atos de trabalho mais parecidos como estratégias de um jogador, que estabelece objetivos de curto prazo. O trabalho perde sua centralidade, esperando-se que seja satisfatório por si mesmo e não pelos resultados para a humanidade, para a nação ou futuras gerações. Difere-se da modernidade sólida, na qual havia a pretensão de se ordenar a rotina de forma a evitar o acidente e a contingência, fazendo com que tudo se aperfeiçoasse e se tornasse mais útil e eficaz. Naquele mundo, o uso do nome de Ford era apropriado, principalmente pela intenção de se atar o capital ao trabalho em um casamento divino: os trabalhadores precisavam do emprego; o capital dependia dos empregados para produção e crescimento. Isso mudou, e a nova mentalidade é de casamentos de curto prazo, onde “flexibilidade” é slogan principal. Ainda que antes também houvesse incertezas, hoje elas são de natureza diferente e apontam para um fenômeno novo de “individualização” das biografias, que divide e turva a idéia de um “interesse comum”, o qual perde seu valor prático. Em um sentido mais amplo, a liberdade do capital resulta em efeitos para a política, pois as instituições locais competem com a velocidade quase instantânea dos atores capitalistas, em uma batalha que não podem vencer. Os países evitam, assim, qualquer movimento que denote falta de hospitalidade aos interesses do capital, o que em geral significa menos impostos e regras, visando à criação de um mercado de trabalho flexível de trabalho. Esse contexto contrasta com a era anterior, quando o preceito fundamental era o adiamento da satisfação, a procrastinação. Foi o controle do desejo que possibilitou o crescimento e desenvolvimento da sociedade moderna. A idéia era de que quanto maior a auto-restrição, maiores seriam os prêmios. Hoje, o que se busca é a satisfação imediata do desejo, ao mesmo tempo em que sua satisfação encurta a duração. Contudo, vivemos em um mundo repleto de insegurança e incerteza, combinado com a falta de garantias. Ninguém está a salvo, por exemplo, da nova rodada de “downsizing” ou “racionalização” dos serviços. Como não temos segurança de longo prazo, faz sentido a satisfação instantânea, pois seu adiamento perdeu seu fascínio. A precariedade do mercado de trabalho transborda para e é reforçada pela política da vida. Laços e parcerias são, dessa maneira, vistos como produtos de consumo. Se a característica mais importante da modernidade era a confiança das sociedades em si mesmas e nas instituições, agora o seu colapso enfraquece o engajamento político e a ação coletiva, conforme já demonstrou Pierre Bourdieu. O Estado, dessa forma, deixa de exercer seu poder de controle na rede e as instituições políticas restam irreversivelmente enfraquecidas.

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