25 de out. de 2007

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20 de out. de 2007

Construindo a Virtualidade Real

A Internet, como base de uma comunicação “virtual” – em oposição à comunicação face a face – na verdade vem se caracterizando como uma forma cada vez mais “comum” de interação social e, assim, passa a fazer parte do cotidiano das pessoas de tal maneira que o virtual não pode ser ligado a algo “inexistente” ou “imaterial”, como o termo poderia errone-amente ser interpretado.
De início, é importante lembrar que, apesar da idéia original da rede – que é o de transformar o mundo em algo melhor com base nos valores pioneiros da Internet - o que se vê é, com a difusão em massa do meio e a apropriação e transformação da base tecnológica por grupos heterogêneos em todo o mundo, a produção de uma associação de novos padrões de interação social totalmente inesperados e paradoxais. Ocorre que, ao mesmo tempo em que se interpreta o fenômeno dos novos movimentos e identidades na Internet como o resultado de um “processo histórico de desvinculação entre localidade e sociabilidade na formação da co-munidade”, o mesmo também é visto como a difusão de padrões de isolamento social, ruptura da comunicação social e da vida familiar, em uma espécie de sociabilidade aleatória que indu-ziria o abandono das interações face a face em ambientes reais .
A Internet foi (e, em alguns casos, continua sendo) acusada, assim, de manter as pes-soas em fantasias on-line, fora do mundo real. Segundo Castells, trata-se de um debate fala-cioso, porque fundado em pesquisas realizadas em um momento em que a Internet ainda não havia se massificado e, portanto, o universo das experiências era reduzido aos pioneiros da rede .
Além disso, e tal fato é fundamental, a comparação, em geral, sempre foi feita tendo por parâmetro “uma sociedade local harmoniosa de um passado idealizado”, em contraste com um alienado e solitário “cidadão da internet”, estereotipado pelos nerds, situação que não representa os paradigmas atuais, seja no primeiro, seja no segundo caso .
Isso porque a realidade social da virtualidade da Internet agora é outra. Pode-se dizer que a Rede foi apropriada pela prática social e, hoje, os seus usos são primordialmente ins-trumentais – ligados ao trabalho, à família e à vida cotidiana – ou seja, ela passou a ser uma extensão da vida em todos os seus aspectos e sob todas as suas modalidades .
Da mesma forma, o início da Internet fez nascer uma noção difusa de construção do que se passou a chamar de “comunidades virtuais”, termo ambíguo que teve o mérito de colo-car em evidência os novos suportes tecnológicos para a sociabilidade, mas induziu a uma con-fusão quanto à “comunidade” a que se referia. Tal ocorreu principalmente em razão das fortes conotações ideológicas do termo. Nesse sentido, recorda-se que o debate sobre o comunita-rismo é antigo entre os sociólogos, referindo-se, em regra, à perda de formas significativas de vida devido ao surgimento das metrópoles e o conseqüente enfraquecimento dos laços entre as famílias .
Na teoria social, a comunidade idealizada, tradicional – com a qual se compara as co-munidades virtuais – seria resultado de uma estrutura humana natural, onde não haveria moti-vo para reflexão, crítica ou experimentação de seus membros, pois ela seria fiel ao seu modelo ideal. Esse modelo fechado pressupõe que o grupo seja distinto de outros agrupamentos hu-manos (e, portanto, visível somente em contraste com o diferente), que seja pequeno o sufici-ente a ponto de estar à vista de seus membros e que seja auto-suficiente , de maneira a ofe-recer todas as atividades e atender a “todas as necessidades das pessoas que fazem parte dela”, de forma que “a pequena comunidade é um arranjo do berço ao túmulo” . Essa comunidade tradicional, portanto, depende do bloqueio da comunicação com o mundo exterior e sua unidade é produto de sua homogeneidade, de sua mesmidade .
Em razão dessas características, essa mesmidade é desmontada quando suas condições vão desaparecendo, ou seja, quando o “de dentro” e o “de fora”, o “nós” e “eles” vão-se em-baçando, em um processo relacionado com a intensificação da comunicação com o exterior. Rachaduras nos seus muros de proteção tornaram-se evidentes, por exemplo, com o surgimen-to dos primeiros meios de transporte mecânicos, que possibilitaram que a informação viajasse mais rápido que as mensagens orais do círculo da mobilidade humana “natural” . Ressalte-se que
o golpe mortal na “naturalidade” do entendimento comunitário foi desferido, porém, pelo advento da informática: a emancipação do fluxo de informação proveniente do transporte dos corpos. A partir do momento em que a informação passa a viajar independente de seus portadores, e numa velocidade muito além da capacidade dos meios mais avançados de transporte (como no tipo de sociedade que todos habitamos nos dias de hoje), a fronteira entre o “dentro” e o “fora” não pode mais ser estabelecida e muito menos mantida .
Dessa maneira, aquelas formas territoriais de comunidades – as tradicionais – apesar de não terem desaparecido por completo, desempenham hoje um papel secundário na estruturação das relações sociais das sociedades avançadas. Isso não significa que não haja sociabilidade baseada em lugares, mas quer dizer que as sociedades não evoluem em direção a um padrão homogêneo de relações sociais.
Para a compreensão das novas formas de interação social na era da Internet, portanto, deve-se reformular o conceito de comunidade, mitigando seu componente cultural. Isso signi-fica dizer que a comunidade formada no ciberespaço não é equivalente à idéia original de uma comunidade tradicional e, portanto, não se deve transportar observações e conceitos de um universo para o outro. Assim, uma apropriada definição contemporânea para comunidade – aquela vinculada às redes – é aquela proposta por Barry Wellman, citado por Castells, para quem “comunidades são redes de laços interpessoais que proporcionam sociabilidade, apoio, informação, um senso de integração e identidade social” .
Desta maneira, pode-se afirmar que a transformação das relações nas sociedades com-plexas é decorrente da substituição de comunidades espaciais por interações em redes como forma fundamental de sociabilidade, sendo que esse novo padrão é construído a partir da fa-mília nuclear em casa, de onde as redes são formadas de acordo com os interesses e valores particulares de cada membro .
Por todas essas razões, hoje em dia é difícil denominar a Internet como um meio espe-cial de relações sociais. Isso porque essa mídia possui uma imensa variedade de alternativas cotidianas de comunicações mediadas por computador, tais como salas de bate-papo, e-mails, mensageiros instantâneos, voz sobre IP e vídeo conferência, dentre outros possíveis na sua estrutura flexível. A Internet, portanto, está definitivamente se integrando ao padrão normal da vida social .
O que se verifica, como conseqüência desse importante fenômeno, é que essas circuns-tâncias levam a uma tendência dominante de ascensão do individualismo, cujo padrão domi-nante são as relações terciárias , as quais Wellman chama de “comunidades personalizadas”. Essa tendência não configura, contudo, uma cética perda da comunidade, nem seu utópico ganho, mas sim uma transformação complexa e fundamental da natureza das comunidades, partindo de grupos para formação de redes sociais . Nesses termos, pode ser dito que, quan-do uma rede de computadores conecta pessoas, não há dúvidas que vem a formar uma rede social. Assim como máquinas conectadas por cabos formam uma rede de computadores, uma rede social é um grupo de pessoas conectadas por relações sócio-significativas .
É diante desses fatos que se questiona o papel das novas formas de comunicação via Internet, pergunta fundamental quando se quer analisar as possibilidades democráticas da mí-dia. Estudos têm demonstrado que a Internet é eficaz à manutenção de laços fracos, que em outra situação seriam perdidos, cuja fragilidade decorre principalmente do fato de que rara-mente resultam em relações pessoais duradouras. Isso porque as pessoas podem facilmente entrar e sair da rede, onde não necessariamente revelam sua identidade, e a percorrem em di-ferentes padrões on-line. Contudo, ainda que as conexões específicas não sejam duráveis, o fluxo é constante e muitos utilizam a Internet como uma das suas manifestações sociais, com reiterado destaque do individualismo característico do movimento .
Pode-se afirmar, portanto, que a preponderância da sociabilidade individualista resulta do fato de que as pessoas estão cada vez mais organizadas em redes sociais mediadas por computador, devendo-se considerar, de toda sorte, que a tecnologia não é o padrão desse pro-cesso, mas o meio que oferece o suporte material para a difusão desse tipo de relação social, situação que ainda se constela com a ocorrência de comunicações físicas, em um sistema final sobre o qual pode-se referenciar como híbrido .
Por outro lado, também quanto aos laços fortes a Internet parece ser positiva, tendo em vista que as variadas formas de família, característica das sociedades pós-modernas, são auxi-liadas pelo uso, por exemplo, do e-mail, que surge como um fácil instrumento de “estar ali” à distância e como uma forma de interação mais profunda quando não se dispõe de energia em determinado momento .
Essa tendência de triunfo do indivíduo gera custos ainda não claros para a socieda-de . De toda sorte, é certo que as novas formas de comunicação até agora mencionadas fa-zem surgir, neste início de século, uma forma diferente de interação entre os dois lados do cérebro, as máquinas e os contextos sociais, em uma mudança fundamental no caráter da co-municação humana, que agora ocorre por meio de texto, imagens e sons em um mesmo siste-ma .
É nesse sentido que pode ser dito, como o faz Postman, citado por Castells, que “nós não vemos... a realidade... como ‘ela’ é, mas como são nossas linguagens. E nossas linguagens são nossos meios de comunicação. Nossos meios de comunicação são nossas metáforas. Nossas metáforas criam o conteúdo de nossa cultura” . Como ressalta Rover,
a linguagem é um sistema de símbolos através do qual torna-se possível a comunicação entre as pessoas. É o ponto de partida de todo processo de desenvolvimento do conhecimento. Além de permitir o intercâmbio de informações, é através dela que se dá o controle do conhecimento nela veiculado .
Assim, uma vez que a mídia, detentora privilegiada da linguagem e da comunicação, representa o tecido simbólico da vida humana, ela “tende a afetar o consciente e o comporta-mento como a experiência real afeta os sonhos, fornecendo a matéria-prima para o funciona-mento de nosso cérebro” . Castells afirma, categoricamente, que por influência desse novo sistema de comunicação – onde há interação de interesses sociais, políticas de governo e es-tratégias de negócio – faz surgir uma nova cultura, que chama de “a cultura da virtualidade real” , a qual será melhor explicitada mais adiante.
Diante da observação da evolução histórica dessas mudanças que culminam no atual processo de transformações culturais, parece correto fazer uma brevíssima digressão sobre as transformações da comunicação no último século. É de se lembrar que o sistema de comuni-cação anterior, baseado na mente tipográfica e pela ordem do alfabeto, já havia sido abalado pela televisão, a qual ainda hoje possui papel importante na modelagem da linguagem de co-municação na sociedade .
Dessa forma, o tratamento do texto, mesmo tendo envelhecido com o florescimento das tecnologias em rede, foi exatamente com elas que veio alcançar novo patamar de usabili-dade, já que a sua desmaterialização revolucionou sua difusão e o modo como as pessoas or-ganizam e produzem um texto – ou seja, houve uma clara modificação da maneira como se constrói mentalmente um texto. Isso ocorre em razão do fato de que “o papel obriga a uma pré-elaboração mental da frase, de sua estrutura e de suas palavras, antes mesmo de ser inscrita na folha, quando o computador, pelo fato de apagar sem deixar traços, vos libera desta pre-caução” – configurando a tela, portanto, uma “superfície mental sem igual” .
De toda sorte, a escrita favorece uma exposição sistemática, enquanto a onipresente TV possui uma linguagem informal, sendo hoje o palco de todos os processos que se pretende comunicar à sociedade, seja na política, nos negócios, no esporte ou na arte, em um mundo de característica binária, onde ou se está dentro o se está fora, sem meio termo .
Castells afirma, assim, que, ao contrário da noção corrente de passividade do telespec-tador diante do aparelho de recepção, não há dúvidas de que as informações transmitidas pela TV são assimiladas pelas pessoas de uma forma não totalmente passiva, uma vez que as imagens são códigos cujo conteúdo é completado com diferentes significados culturais específicos de cada telespectador. Assim, ainda que um mesmo conteúdo seja enviado a um grande número de pessoas, o resultado final - a mensagem, portanto - é variável de acordo com o universo cultural e significativo do receptor .
Essa concepção faz parecer correta a afirmação de inexistir uma cultura de massa, já que cada local ou cultura modifica a significação final da mensagem, isto é, uma vez que os receptores tenham alguma “autonomia para organizar e decidir seu comportamento, as men-sagens enviadas pela mídia deverão interagir com seus receptores e, assim, o conceito de mídia de massa refere-se a um sistema tecnológico, não a uma forma de cultura, a cultura de massas” .
De qualquer maneira, como já dito, há que se lembrar que o tecido simbólico da vida é constantemente influenciado e construído pela mídia, já que a mesma acaba por fornecer a matéria-prima para o funcionamento do cérebro humano. Uma vez parecendo ser incorreta a aceitação de uma cultura de massa, o que de percebe pela evolução da mídia é, ao contrário, uma constante segmentação da audiência por nichos de ideologias, valores, gostos e estilos de vida, fazendo com que a descentralização, diversificação e adequação ao público-alvo sejam o futuro da televisão .
Após essa rápida digressão sobre as mídias, afirma-se que aquela tendência caracterís-tica de segmentação da audiência, iniciada na TV, foi altamente potencializada pela Internet, principalmente porque a maior parte das comunicações na rede ocorre de maneira espontânea e não-organizada, diversa quanto à finalidade e adesão. Essa abertura à diversidade é conse-qüência da já mencionada concepção inicial da Internet, de origem tanto militar como contra-cultural, esta última evidenciada principalmente pelas características de informalidade e capa-cidade auto-reguladora de comunicação da Grande Rede .
A comunicação mediada por computador, assim, tem por características mais evidentes a penetrabilidade, a descentralização e a flexibilidade, alastrando-se pelo tecido social como microorganismos, carregando culturalmente embutidas em sua estrutura as propriedades de interatividade e de individualização .
É assim que se abre espaço, hoje, à formação da sociedade interativa. Aquelas caracte-rísticas acima mencionadas configuram-se nos requisitos essenciais do atual fenômeno de formação de comunidades virtuais, em geral organizadas em torno de interesses comuns bas-tante específicos, emergindo assim uma nova forma de sociabilidade e de vida adaptadas ao novo ambiente tecnológico on-line .
Essa abertura estrutural da comunicação mediada pelo computador pode significar uma oportunidade de reversão dos jogos de poder tradicionais no processo comunicacional, melhorando o status de grupos comumente subordinados, o que pode ser visto em conjunto com a inteligente utilização das tecnologias na democracia local, com experimentos de parti-cipação eletrônica dos cidadãos, demonstrando o grande potencial das redes de computador para o debate local auto-organizado e público .
Esses são processos que ocorrem não no espaço geográfico, em relações face a face, mas gestados e organizados em torno de comunidade interligadas de interesses múltiplos no ciberespaço, em um mundo virtual que se apresenta com tal força na cultura humana que passa a constituir a sua própria realidade.

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