3 de nov. de 2007

E-Democracia no Reino Unido

O Reino Unido – RU – é fonte de um grande portfólio de experiências práticas de e-democracia – aliás, o mais profícuo e eficiente do mundo, conforme já mencionado. Nele existem diversas iniciativas, governamentais e não-governamentais, que buscam estudar e desenvolver ferramentas de participação democrática por meio das novas tecnologias de informação e comunicação.

A melhor fonte de informações sobre a e-democracia no Reino Unido provém da instituição chamada Hansard Society, que recebeu a delegação do Ministério da Justiça do Reino Unido para realizar uma análise independente de como o governo pode usar as TICs para proporcionar o engajamento público. O projeto delegado é resultado de uma iniciativa do Department for Constitutional Affairs (DCA) do parlamento britânico, que determinou ao Ministério mencionado que se desse início ao programa nomeado de Digital Dialogues.

Nesse sentido, pode-se dizer que o referido programa é uma unidade de pesquisa e desenvolvimento de formas inovadoras de utilização das novas tecnologias que possam conectar as instituições políticas e o cidadão, encorajando a participação no processo democrático. A Hansard Society, por sua vez, é uma entidade filantrópica de educação que envolve acadêmicos, jornalistas, servidores públicos, sindicatos, associações de classe, indústria, comércio, grupos de interesse e outros interessados nos processos políticos e na promoção de uma democracia efetiva.

A fase 1 da pesquisa encomendada ocorreu entre dezembro de 2005 e junho de 2006, tendo desenvolvido estudo de caso em seis iniciativas envolvendo áreas transversais de agências e ministérios do governo central do RU, utilizando-se de aplicações baseadas na web como blogs, fóruns, enquetes e bate-papo. A avaliação levou em consideração a análise estatística dos sítios, além de entrevistas e pesquisas com responsáveis públicos e usuários.

O relatório parcial daquela primeira fase revelou que o engajamento público pode valorizar a formulação de políticas públicas, bem como aumentar a eficácia governamental, em razão, principalmente, dos benefícios no acesso à informação e à transparência da atividade pública. A maioria das pessoas atraídas pela participação online nas consultas públicas e deliberações políticas nas experiências do RU eram usuários regulares da Internet, ainda que a maioria não tinha um histórico de participação política e, portanto, pode-se considerar que foi o mecanismo online que os atraiu para as iniciativas.

Nas proposições estudadas, os cidadãos foram convidados a se envolver com questões complexas, deliberar e procurar soluções acordadas com os representantes do governo. Foi possível observar, por meio de dados estatísticos de acesso, que a maioria das pessoas preferiu manter-se como observadora do processo em vez de participar diretamente da deliberação, apesar de suas visitas regulares aos sítios analisados para acompanhamento das atividades. O feedback demonstrou a satisfação com a deliberação baseada em texto, mas as pessoas expressaram interesse em um maior uso de conteúdo áudio-visual.

De toda forma, o ceticismo sobre o valor da participação online no processo político, representado pela resistência à participação na deliberação, demonstrou-se passível de ser resolvido logo no começo com o esclarecimento quanto ao seu potencial de influência no resultado final. Isto pode ser alcançado por meio de processos de feedback no final de cada exercício de participação. Além disso, para credibilidade das propostas, o engajamento público deve ser liderado pelos ministros e pelo responsável por cada projeto discutido, enquanto o acesso desses aos conhecimentos técnicos é garantido por equipes específicas, que devem ficar à disposição. É essencial, também, que os fóruns de discussão sejam ordenados por um moderador e facilitador da deliberação, função que deve ser exercida por técnico com conhecimentos sobre a política pública objeto da consulta. Com essas considerações, a fase 1 da pesquisa demonstra que simplesmente construir um sítio de Internet não é o mesmo que promover a participação online.


 



 

O referido estudo da Hansard Society indica, ainda, que se o aprofundamento e o alargamento da participação também é um objetivo, são necessárias campanhas de divulgação que tragam tráfego para site, mantenha o interesse e publicise os resultados. Ainda, uma vez que os participantes podem não ser acostumados a deliberação, um guia e fontes de informação beneficia o processo de engajamento. Entretanto, como conclusão parcial, considerou-se que a participação online não é um substituto dos métodos tradicionais, devendo servir como complemento de uma ampla campanha de engajamento.

Os blogs, por sua vez, diz a pesquisa, mostraram-se apropriados quando a participação já vem de longa data, enquanto os fóruns são bons para deliberações estruturadas e periódicas que exijam a integração de grandes grupos. Tem-se, ainda, as salas de bate-papo, úteis em eventos em tempo real (podendo ser combinado com outras aplicações). Com essas ferramentas, as bases de cidadãos criadas em uma determinada iniciativa devem ser estimuladas a participar de outras interações, tendo-se em conta que os exercícios devem começar pequenos e ganhar escala de acordo com a demanda. O relatório parcial da fase 1 do Digital Dialogues verificou, ainda, que o governo e o público têm um interesse antigo em aumentar a interação online e que isso, agora, se tornou possível por meio das novas tecnologias. Por fim, constatou-se que planejamento e liderança são necessários para qualquer projeto na área, devendo-se sempre estabelecer claramente e manter em fácil acesso os termos, condições e políticas de moderação. Dessa forma, as oportunidades de participação nos processos políticos online devem ser abertas para todos e ter a maior transparência possível.

Após o estabelecimento dessas considerações parciais, iniciou-se a fase 2 do programa, que foi desenvolvido entre agosto de 2006 e agosto de 2007, envolvendo, na oportunidade, 12 estudos de caso. A referida segunda fase, que utilizou como base as indicações parciais da primeira, revelou que os cidadãos são muito interessados em receber informações diretamente dos responsáveis públicos, bem como de participar de discussões online as quais julgam importantes para eles e que acreditem poder influenciar no resultado final. Assim, o interesse público de participação espelha o crescimento do uso da Internet para comunicação, sendo que o Governo do RU, por sua parte, reconhece o valor da iniciativa em prover aos cidadãos verdadeiras oportunidades em desenvolver políticas públicas e influenciar nos gastos públicos.

Na segunda fase algumas novas considerações foram agregadas às da primeira, a exemplo da não-identificação de suficientes ligações entre atividades on e offline. Tendo em vista que os casos estudados pelo Digital Dialogues foram coordenados por pessoal próprio do governo (que adaptou sua experiência ou desenvolveu novas capacidades), demonstrou-se necessária uma adaptabilidade dos times, ficando o sucesso condicionado aos recursos da equipe e o seu nível de compromisso, que varia muito dentro do governo, de acordo com o relatório.

Outra descoberta da pesquisa demonstra que a participação online tem menos a ver com tecnologia e mais com a qualidade do conteúdo, interação e resultados. Segundo o relatório da segunda fase, os casos estudados que foram melhores recebidos foram aqueles onde os representantes do governo eram participantes ativos e não espectadores. Os maiores casos de sucesso não foram necessariamente os que tiveram grande número de participantes, pois o bom desempenho mostrou-se relacionado a quem se envolveu no processo de debate, à razão do envolvimento e ao que aconteceu como resultado do exercício. Além disso, uma vez que a influência de longo-termo da participação na política pública não é clara para as pessoas, gerenciar informações de retorno, ou seja, oferecer informações sobre as conseqüências do exercício, é um componente essencial para uma boa participação.

De toda forma, as iniciativas de participação mostraram possuir boa relação custo-benefício. A maioria dos casos estudados pelo Digital Dialogues foi desenvolvida usando software livre, o que reduz custo e permite a customização para alcançar as necessidades de cada órgão, departamento ou ministério. Além disso, as atividades foram bem recebidas pelos cidadãos, que demonstraram interesse participar novamente e indicaram o exercício para outras pessoas, mas ao mesmo tempo demonstraram insatisfação com o exercício específico em que participaram.

Por fim, confirmando observações da primeira fase, as pessoas mais assistiram do que contribuíram nos exercícios. O ceticismo sobre a credibilidade dos exercícios, assim como a baixa eficácia e a falta de conhecimentos e habilidades com as ferramentas, dissuadiram a participação, ainda que as comunidades online criadas em torno de um tema demonstraram possuir o potencial de retomar o diálogo em momentos apropriados do ciclo de construção da política pública.

Após as duas fazes acima mencionadas, a iniciativa Digital Dialogues segue para sua terceira fase, que se estenderá de agosto de 2007 a agosto de 2008. Entretanto, já na segunda fase foi possível estabelecer algumas recomendações baseadas nos estudos e avaliações realizadas, que podem auxiliar no avanço das iniciativas baseadas em TICs.

Assim, a primeira recomendação apresentada pela Hansard Society é promover a inovação, pois o governo necessita dessa cultura, principalmente no que se refere à participação do público, já que investir em inovação ajuda o governo a aprender, tomar decisões embasadas e motivar as pessoas a interagir com órgãos e representantes. Por outro lado, as iniciativas devem ser escaláveis, o que significa o lançamento de exercícios pilotos, uma avaliação criteriosa dos resultados, e a observação da demanda para adaptar recursos e determinar expansões ou reinícios. O Estado deve respeitar, ainda, as regras de interação vigente em um determinado grupo, buscando entender como as pessoas se relacionam, de maneira a resistir à tentação de colonizar o espaço e impor sua forma de fazer as coisas.


 


Figura 8 - Reprodução da página principal da iniciativa Digital Dialogues.

Fonte: < http://www.digitaldialogues.org.uk/>. Acesso em: 21 de out. 2007.


 


 

A pesquisa também recomenda que antes de lançar um exercício de participação online, deve-se primeiramente desenvolver as propostas
com
os pretensos usuários – perguntando que tipo de atividade eles querem, de que maneira a discussão deve ocorrer e em que tipo de plataforma. Isso não é suficiente, contudo, sem um treinamento de pessoal já que, como visto, o sucesso do projeto está muito mais ligado ao conteúdo, interatividade e habilidades do que à tecnologia em si, o que justifica tal investimento. Além disso, as iniciativas devem ser resultado de uma ação estratégica de governo, pois as melhores atividades serão aquelas fruto das escolhas mais planejadas sobre o objetivo, métodos e o ponto do ciclo da política pública em que será aplicada; igualmente, as aplicações têm que ser interativas, já que a participação deve ser uma experiência ativa e entusiástica, onde se perceba a efetiva influência no encaminhamento das questões consultadas. Nesse sentido, consultar a população sobre seus pontos de vista e depois ignorá-las gera perda de confiança tanto no processo quanto nas instituições envolvidas.

O relatório final da segunda fase da iniciativa Digital Dialogues traz algumas outras recomendações complementares, de grande importância para o desenvolvimento de experiências práticas de democracia digital. Faz lembrar, por exemplo, da necessidade de mostrar o trabalho realizado, ou seja, demonstrar o que aconteceu com as sugestões provenientes de uma atividade de e-participação. Se não foi útil, é importante explicar o por que, o que também deve ser feito quando tenha efetivamente influenciado no processo de tomada de decisão. Sugere-se no relatório, ainda, a realização de avaliação constante das atividades, internas e externas, compartilhando os resultados, pois tal atitude pode permitir que outros setores da Administração Pública aprendam com os sucessos e as falhas apresentadas. Com tal providência, a população, igualmente, pode acompanhar as atividades do governo e fazer seus próprios julgamentos sobre o que está ou não funcionando.

Por último, mas não menos importante, há indicação da necessidade de se trabalhar em grupo, pois existe uma grande fragmentação das ações estatais em campos específicos, o que leva à replicação e ineficiência dos esforços. A estruturação de um departamento transversal, que lidere e coordene os recursos de maneira a maximizar a efetividade e sustentabilidade da proposta, é de extrema importância. Todas essas recomendações apresentadas, afirma-se no relatório, não são exaustivas, mas oferecem os princípios fundamentais para o governo perpetuar o momento do engajamento online e começar a mudar o destino da participação democrática em geral.

O que as iniciativas do RU demonstram é que há, de fato, um campo promissor de participação cidadã por meio das TICs, o qual encontra-se extremamente subutilizado. O Estado tem muito a ganhar com essas iniciativas, pois pode se apresentar como interlocutor eficaz e executor confiável de políticas públicas socialmente construídas e amplamente legitimadas. Tal tarefa, contudo, somente é possível com adequados planejamento, monitoramento e avaliação, de maneira a levar em consideração a atratividade e necessidades do público. Por parte do cidadão, uma vez detentor das habilidades necessárias e havendo confiança de que seus esforços serão considerados, há uma excelente recepção das iniciativas. Nesse contexto, o RU mostra-se exemplar e indica a outros países a direção a ser seguida no que se refere à democracia digital.

Nenhum comentário:

Total de visualizações de página

Pesquisar este blog. Resumo de livros, democracia, política, TIC, Relações Internacionais etc.