1) Quais os aspectos relevantes das alterações no Código Florestal Brasileiro em discussão e quais os prejuízos que vão produzir na forma como estão sendo propostas?
A proposta do novo Código Florestal busca, primordialmente, adaptar a legislação brasileira às situações de uso da terra existentes atualmente, inclusive aquelas decorrentes de ações ilegais e degradadoras, sob o argumento, dentre outros, de que não se pode prejudicar o setor de produção de alimentos no país, grande fonte de renda nos mercados interno e externo. Dessa forma, o projeto de alteração do Código acaba representando muito mais um manual de solução de problemas econômicos de proprietários de terra do que um instrumento de proteção de nossas florestas. Os pontos mais delicados do projeto são a suspensão de multas por infrações ambientais, o grande enfraquecimento da proteção das APPs e, principalmente, um ataque ao instituto da Reserva Legal.
2) Com relação à reserva legal, quais os efeitos da alteração do Código Florestal?
A questão da reserva legal é a mais delicada no projeto do novo código florestal. Da maneira como proposta, a alteração do código resultaria, por exemplo, na inviabilização da recuperação das florestas ilegalmente exploradas no passado, que pela lei atual deveriam ser recompostas. Esse prejuízo quanto à recuperação de florestas decorre da previsão, pelo projeto, da isenção de qualquer responsabilidade de recomposição de Reserva Legal em até quatro módulos fiscais para todos os proprietários e posseiros de áreas rurais (art. 28). Trata-se de um “cheque” universal para compensação de reserva legal que não apresenta critérios e, assim, favorece até mesmo os que cometeram crimes ambientais, o que, em articulação com a consolidação de usos hoje irregulares de APPs, resultará em graves prejuízos aos serviços ecossistêmicos.
Além disso, o art. 49 do projeto - talvez um dos pontos mais questionáveis da proposta - sorrateiramente reduz a reserva legal para 50% para todas as propriedades que comprovem que mantinham esse percentual antes da alteração legal que aumentou a reserva legal para 80% na Amazônia. Assim, não obstante o capítulo próprio da reserva legal passar a impressão de manutenção do texto atual para reserva de 80%, na verdade o projeto estabelece uma “liberação” para uma grande parte dos proprietários do compromisso de recuperação ou compensação de reserva legal acima de 50%. Para estes, na prática, há redução da reserva legal para até este percentual, representando, portanto, uma regressão legislativa do ponto de vista ambiental.
3) Como vê a implementação da servidão florestal e da cota de reserva florestal?
As exigências de recomposição de Reserva Legal, nos termos do Código atual, é uma questão de difícil equação e, desde que se garanta níveis de proteção ambiental, deve-se buscar alternativas para sua resolução. Desta maneira, tanto a servidão florestal quanto à cota de reserva florestal são instrumentos importantes e viáveis para a criação de um conjunto de possibilidades, dentre outros, de recomposição da reserva legal. Todavia, o ativo florestal envolvido deve estar vinculado ao excedente da reserva legal da propriedade cedente, ou seja, se a propriedade possuir 80% de reserva legal, a servidão ou a cota devem fazer referência aos 20% da área passível de conversão. Isso garante um aumento da área protegida, condizente com os princípios de proteção ambiental hoje vigentes.
4) Quais os efeitos da concessão de isenções aos degradadores?
A prática das políticas públicas na área ambiental tem demonstrado a importância de se agregar as propriedades rurais aos sistemas públicos de cadastro e georreferenciamento, para que as ações de comando e controle, inclusive sensoriamente remoto, possam exercer efetiva fiscalização das regras de proteção ambiental. Nesse sentido, o conceito de se criar “benefícios” ao proprietário para que haja a regularização ambiental da propriedade é um caminho possível.
Todavia, a concessão de isenção irrestrita para as multas decorrentes infrações cometidas antes de 22 de julho de 2008 na respectiva propriedade ou posse, referentes à supressão irregular de vegetação, sem o estabelecimento de critérios específicos, representa um incentivo a futuras atividades ilegais e, ao mesmo tempo, um desestímulo aos que cumpriram a legislação ambiental.
Desta forma, é importante “trazer para legalidade” as propriedades rurais e oferecer meios economicamente viáveis para que tal ocorra, mas isso deve ocorrer preferencialmente sem a isenção de punições a atos irregulares anteriores ou, se assim o fizer, ao menos deve ser estabelecidos rígidos critérios de aplicação com a previsão de ações específicas de recuperação ambiental. Somente o cadastro ambiental não deveria ser suficiente para isenção de multas por supressão irregular de vegetação.
5) Os programas de controle de queimadas têm surtido efeito?
Outro ponto que a experiência tem demonstrado no nosso Estado do Acre é que somente ações de comando e controle são insuficientes para o controle de queimadas - pois a fiscalização geralmente é eficiente somente para situações emergenciais, mas não alteram fundamentalmente os processos produtivos - e dessa maneira, do ponto de vista da proteção ambiental, não são sustentáveis ao logo do tempo.
Dessa perspectiva, demonstra-se necessária a construção de políticas públicas que criem um novo padrão de produção rural e florestal, o que exige tempo e enorme esforço técnico e de recursos financeiros. Essas políticas públicas devem levar em consideração um equilíbrio entre a capacidade de internalização das novas técnicas por parte dos produtores, o tempo de validação das novas técnicas propostas pelos centros de pesquisa, a capacidade de geração ou atração de profissionais qualificados, a viabilidade de execução financeira e orçamentária por parte do Estado, a logística necessária para a implantação de novos modelos, a estrutura administrativa e gerencial dos programas, o financiamento público e privado e além de outras variáveis a serem incorporadas mediante constante debate público, principalmente por meio dos conselhos da área.
Nesse sentido, exemplificativamente, o Estado do Acre tem procurado implantar uma estratégia de abordagens múltiplas sobre o tema, que segue em duas vertentes: uma refere-se ao plano de recuperação de áreas alteradas e valorização das áreas já abertas, que prevê também a introdução de florestas plantadas; e outra de valorização do ativo ambiental florestal, que inclui a regularização do passivo ambiental florestal, planos de manejo sustentável empresariais e comunitários, o Programa Estadual de Certificação de Unidades Produtivas Familiares do Estado (incentivo à produção sustentável e por meio de selos de sustentabilidade, com diversos benefícios, dentre eles, um bônus anual de R$ 500,00 a R$ 600,00) e, agora, também a criação de incentivos a serviços ambientais, a exemplo da redução de emissões por desmatamento e degradação – REDD e formação de um mercado de carbono que pague pela floresta em pé.
A questão ambiental na Amazônia, assim, passa por aspectos econômicos que não devem ser desprezados. Deve-se criar um ambiente de mercado que valorize os ativos ambientais, de tal forma que os mesmos se apresentem como alternativas viáveis à agricultura e pecuária extensiva, de forma a garantir a vida digna das pessoas e, ao mesmo tempo, aliada à proteção ambiental.
Nesse sentido, somente por meio de políticas públicas de longo prazo, baseadas em propostas participativas que prevejam alteração substancial da forma de produção e a valorização dos ativos ambientais florestais é que haverá real controle das queimadas. As ações de comando e controle, nesse contexto, são necessárias, mas não suficientes para solução do problema.
Por fim, entendemos que os programas de controle de queimadas devem ser vistos em seu sentido mais amplo e, nesse contexto, as estatísticas de desmatamento têm demonstrado que se iniciou um bom caminho baseado em um novo padrão produtivo, um caminho possível e promissor, porém ainda não ideal no tempo presente e que exigirá participação constante e esforço considerável de toda a sociedade.
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