A Crítica da Razão Indolente - Boaventura de Souza Santos
Parte I
Epistemologia das estátuas quando olham para os pés: a ciência e o direito na transição paradigmática.
Introdução
As sociedades são as imagens de espelhos construídas por elas próprias para reproduzir suas identificações dominantes, assegurando as rotinas que as sustentam. Quanto mais o espelho é utilizado, mais adquire vida própria, passando de objeto trivial a super-sujeito, passando de espelho a estátua. Nesse caso, a sociedade entra em crise, uma crise da consciência especular. Entre os muitos espelhos, dois passaram a estátuas: a ciência e o direito.
O paradigma sócio-cultural moderno, que surgiu antes da dominação capitalista, provavelmente também acabará antes do fim do capitalismo. Essa transição, como todas, é semi-invisível e semicega, dificultando nomeá-la com exatidão, o que talvez justifique o uso do termo “pós-moderno”, autêntico em sua inadequação.
A atual transição paradigmática, por sua vez, permite um horizonte vasto de possibilidades de futuros alternativos, tanto quanto os que a própria modernidade viabilizou. A modernidade, contudo, possuía em sua matriz a semente de seu próprio fracasso: promessas incumpridas e défices irremediáveis. Nessas circunstâncias, já no Séc. XIX a ciência se apresentava como instância moral suprema, levando à colonização da racionalidade estético-expressiva pela idéia de emancipação científica e tecnológica da sociedade. Contudo, a administração dos défices e excessos da modernidade não se deu somente pelas mãos da ciência, já que o direito moderno teve uma participação subordinada, mas central, terminando por apresentar um isomorfismo com aquela por meio de experiências simbólicas de fusão e configurações combinadas de elementos.
Ao final, a versão prevalecente da modernidade foi uma dentre as várias possíveis. A obra busca, nesse sentido, conceitualizar um novo mapa de práticas emancipadoras, de forma a substituir o esgotamento da modernidade para este objetivo, neste importante momento de transição paradigmática.
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