5 de jun. de 2009

O Que é Teoria - Otaviano Pereira

Tatuapé/SP: Editora Brasiliense, 2003. 90 páginas.

I Abordagem Geral

Etimologia: a palavra nos dicionários
Nas enciclopédias e dicionários é comum referir “teoria” a uma atividade puramente intelectual, abstrata e contemplativa, muitas vezes como antítese da prática. Acaso a compreendamos apenas como um ato intelectivo, fica-se limitado apenas ao campo da pura abstração. Muitos questionam o afastamento dos teóricos em relação a prática, por exemplo. Como essas confusões estão impregnadas em nós pela escola, tradição e cultura, é necessário que, metodologicamente, detectemos esse senso-comum para possibilitar uma libertação.
Em relação ao ensino na atualidade, têm-se considerado antipedagógico atividades de caráter crítico e mais profundo, fazendo com que as aulas sejam superficiais, destinada à uma clientela que exige um ensino “leve”, cheio de malabarismos, fazendo-se os professores de “camelôs do ensino” e pouco exigindo no labor, pesquisa, articulação teórica ou senso crítico.
Voltando à questão da teoria, este termo, no dicionário, remete-nos à abstração, o que é parcialmente correto, mas pode levar à falsa percepção de que “teoria” e “abstração” são sinônimos. Disso pode resultar outro equívoco, o de polarizar teoria e prática. Assim, muitos dizem que os teóricos não conhecem a prática e que a teoria, na prática é diferente, etc, demonstrando um engano de confundir teoria com abstração, como se fosse um conhecimento desarticulado da realidade. Devemos, portanto, entender teoria em seu verdadeiro significado, já que essa confusão nos atrapalha.
É preciso, ao abandonar o simplismo dos conceitos, compreender que a teoria se refere à percepção do homem em seu meio, de forma completa, não somente como um ser racional, mas também como alguém que sente e age. Teorizar, nesse contexto, não é somente elaborar idéias e uma contemplação abstrata, mas também, e principalmente, uma atividade antropológica.

O Problema da teoria no Pensamento Clássico
A Teoria Clássica do Pensamento converge para dois pontos: a lógica e a metafísica. A boa compreensão da primeira é essencial para formação de qualquer pensamento, inclusive para refutar a teoria clássica, além de facilitar a compreensão da segunda, que é a doutrina do ser, eixo central da abordagem clássica e para a qual tudo converge.
Teorizar passa, portanto, pela crítica do conhecimento, que funda-se na lógica. Esta, no ordem clássica, serve de instrumento para criação de um sistema organizacional perfeito que não deixa noções, conceitos e juízos sem delimitações ou esclarecimentos, o que torna o pensamento pouco dinâmico e menos concreto - mais intelectivo – portanto quase que somente abstração.
Esse raciocínio abstrato faz que se chegue a uma supremacia do mental sobre o real, tendo a filosofia como a “ciência primeira”, hierarquicamente superior às ciências do objeto ou da natureza física, alcançando-se, portanto, a metafísica.
A teoria clássica vê o homem como um “depositário de conhecimento” que, por meio de uma “ginástica mental”, se reduz praticamente a um ente intelectual ou máquina pensante, que busca tão somente uma ação mecânica de adequação dos objetos à mente ou esta àquela. Problemas surgem quando se contrapõem questões formalmente contraditórios (teoria e ação, real e ideal, objeto e sujeito etc), já que na mente tais são incongruentes, mas na ordem real eles possuem uma unidade profunda. Assim, teorizar no discurso, que é dinâmico, se torna mais amplo e complexo. “A lógica clássica ajuda-nos no sentido de organização do pensamento, mas deixa a desejar no sentido de dinamização do discurso” (p. 23), razão pela qual a solução daquelas contradições se dá no encontro discursivo entre pensamento e realidade, e é justamente essa contradição que gera a unidade (caso contrário seria uniformidade).
É de ver que se erige a necessidade de um novo discurso, da “lógica dialética”, que permite uma sincronização do pensamento com a realidade. É como o regente, que transforma a pauta, letra morta, em música, mas de acordo com aquela. O pensamento, conquanto necessário, por si é vazio. “Portanto, falar em ciência da lógica enquanto leis do raciocínio (o que chamei aqui de pauta musical) e falar em discurso humano completo (a música executada) implica estágios diversos e complementares de um único caminho ou processo” (p. 25).
Esse dinamismo na contradição é o que concede unidade, não cabendo aqui a lei da não-contradição de forma rígida, já que o “discurso dialético não só parte do real, mas também reside no real”, sendo que o homem não só o elabora, mas também está nele. Em nossa mente, separamos o real do mental para poder compreendê-los, mas tal separação em verdade não existe, e é aí que vai a diferença entre teoria e abstração.
Hoje, não se discute o que pensar, mas como pensar, já que a questão do método exige uma nova atitude filosófica, havendo um impasse no vício de pensamento entre o real e o racional. Tal poderia ser resolvido por meio formal (clássica) ou anticlássica (dialética)? Essa discussão seria estéril: o que seria da letra sem a música e esta sem aquela?
O pensamento formal, baseado na lógica, arma-se para discussão de tal forma que não há outra saída que se render às suas verdades dogmáticas que, como arquitetura mental, são perfeitas. O problema é que a realidade é sempre mais ampla que o pensamento em si. Nessa discussão, o lógico formal não consegue sair do círculo vicioso de seu raciocínio, enquanto o dialético, que eventualmente tenha entrado na discussão, não percebeu que a dialética não se contrapõe à lógica formal, ainda correndo o risco de ser dogmático, e a discussão nunca chegará ao verdadeiro significado antropológico da teoria.
A lógica formal é sempre importante, já que a compreensão da realidade dela parte, mas escolher entre ela e a dialética, entendo-as como abordagens conflitantes, é um erro, já que “o ato da teoria de fato não passa de um ato de abstração intelectual. Portanto, só meio caminho andado” (p. 29).

O problema da teoria na Ciência Moderna
Qualquer ciência necessita da compreensão lógica de alguns elementos básicos, vinculando-os, com algumas novidades significativas, a um objeto e a uma relação de causa-efeito, e este vínculo é que vai indicar o método de abordagem (hipótese, indução-dedução etc), razão pela qual é na experimentação que se dá a ciência moderna. Todavia, isso não exclui o lado da abstração mental, que é dada pela hipótese, uma elaboração mais ou menos solta, dada em razão de questões que instiguem o cientista quanto a um fenômeno.
É na teoria clássica que a ciência moderna se baseia, onde, por exemplo, a dedução-indução (pensamento formal) vincula-se à análise-síntese (fenômeno observado). Se não se pensa, não se faz experiência. Não há que se falar em umas sem as outras, porque não há ciência na indução sem a dedução e a análise necessita da síntese. Dessa forma, também a ciência é provocadora da unidade (formal/experimental).
Para melhor compreensão, existem três modalidades de ciência: formal (lógica e matemática); empírico-formal (física, biologia, química etc); e hermenêuticas ou interpretativas (humanas).
Para compreensão da ciência moderna, é necessário a compreensão da indução que, no plano formal, exige explorar todos os casos para generalização e, no plano científico, apenas alguns casos para generalização da teoria. É, portanto, um modo de raciocínio que passa do particular para o geral.
Na lógica formal, o número de exemplos é que tem importância, enquanto na indução científica é o caráter de necessidade e generalidade nas verdades induzidas e em alguns casos repetidos, o que lhe confere uma ligação formal num primeiro plano e autonomia experimental num segundo.
Sendo a indução formal insuficiente à ciência, ainda mais o é a dedução, onde se parte de uma visão orgânica para uma mecânica, ou seja, caminho inverso daquela. A dedução parte de uma visão geral já alcançada pela indução.
Assim, a diferença entre indução e dedução reside na direção movimento do pensamento entre o particular e o universal, mas sem se repelirem um ao outro.
Com esse entendimento, fica mais fácil compreender a relação análise-síntese, lembrando que existem a análise e a síntese racional e a experimental. A análise aplica-se a verdades não concretas, enquanto a síntese ao experimental, ambas fazendo aquele duplo movimento de raciocínio.
Dessa forma, a indução é uma espécie de análise, que decompõe o objeto, indo de sua simplicidade para a complexidade - regressivo; a dedução é uma espécie de síntese, que compõe o objeto, de sua complexidade à sua simplicidade – progressivo. Temos aí a lógica formal e a lógica material (metodologia), sendo que a primeira vai tratar daquelas operações entre si (termo, proposição e argumento) e a segunda o conhecimento correto e adequação com a verdade estabelecida a partir do fenômeno. Pode não haver conformidade entre o raciocínio e a verdade do objeto, sendo o caso de sofismas e silogismos falsos (corretos do ponto de vista mecânico).
Enquanto do ponto de vista formal há liberdade de transitar em qualquer sentido, na ciência experimental isso não é possível, já que se prende a certos princípios, quais sejam: “1) Absolutamente, a análise deve preceder à síntese; 2) é preciso que a análise vá penetrando nos elementos simples e irredutíveis e que a síntese parta dos elementos separados pela análise sem nada omitir; 3) ambas devem proceder gradualmente e sem omitir intermediários. Não omitindo nada que ainda estaria obscuro na análise. Nada de suposições ou de lacunas no raciocínio em face da observação experimental” (p. 38).
A ciência moderna, ao menos as empírico-formais, passam pelas seguintes etapas: 1) observação, uma suspeita inicial; 2) hipótese, uma possível conjectura dos fatores que influenciam e causam o fenômeno; 3) experimentação, testando a suspeita, verificando sua correção; 4) lei, expressão verbal da hipótese enquanto confirmada ou negada. Uma lei, ou conjunto de leis, pode gerar uma “teoria” (ou doutrina), tida esta tão-somente como resultado da experimentação.
É fácil confundir, por exemplo, a observação e a hipótese, apesar não serem, de forma alguma, a mesma coisa. A hipótese já é a “invenção” do cientista, que se dá a partir da observação e que gerará uma teoria. Ademais, uma hipótese comprovada pela experimentação não significa uma verdade absoluta, já que uma nova teoria pode aperfeiçoá-la, relegando-a a um estágio de pré-ciência (o que concede a característica do “não-retorno” do método científico). Nas ciências empírico-formais, o caminho é sempre progressivo e há pouco espaço à subjetividade.
Não há, igualmente, possibilidade de interpretações paralelas, que extrapolam o âmbito da pesquisa em si, já que se interessa apenas pelo resultado prático. Além, cada vez mais a ciência parte de trabalhos anteriormente realizados, em geral por equipes, tendo em vista que o acúmulo de teorias assim exige.
A ciência parte, então, de pressupostos teóricos, chaves para sua compreensão, quais sejam: A matematização: reduzir tudo a uma mensuração precisa, que a permita constituir-se em uma linguagem unitária, unívoca e universalmente válida (quilogramas, volts, hertz, amperes etc); A funcionalidade: não há preocupação com a essência dos objetos, mas como está sendo processada uma experiência e quanto ou a que medida a mesma se processa; O cárater seletivo: pré-seleção dos elementos que vai tratar para chegar à lei geral; O caráter aproximativo: símbolos matematizados são utilizados para representar uma realidade; O caráter progressivo: as teorias vão sendo aperfeiçoadas, das menos perfeitas para as mais perfeitas; E a exatidão: sua formulação deve ser unívoca e homogênea.
Podemos, dessa maneira, diferenciar a ciência moderna da filosofia clássica (uma pré-ciência do ponto de vista moderno), já que nesta havia uma abordagem qualitativa (quente, frio - phisis), enquanto, naquela, há uma abordagem quantitativa (grau da temperatura). Na ciência grega, buscava-se a essência das coisas e sua causa, a partir de uma visão antropocêntrica, enquanto a ciência moderna busca entender como as coisas interagem e sua relação de causa-efeito, a partir de uma visão excêntrica (não gira em torna de nada exterior a si mesma).
A ciência moderna, que parte de uma visão puramente técnica e excludente das questões antropológicas e metafísica, opondo-se à prática das coisas, curiosamente depende diretamente da experimentação (e é este o seu sentido de teoria). Como verdade universal, é irreversível, não em relação aos progressos que virão, mas quanto às descobertas já realizadas. Nela, a ciência moderna, o que distingue a teoria da hipótese é o momento de sua abstração em relação à experimentação. A teoria é a coroação da suposição. Por seus resultados matematizados, dá azo a novas hipóteses, bem como dá sentido à natureza com suas leis, para o homem que a interpreta.
Até o Séc. XIX, a ciência moderna ainda não havia se libertado totalmente em relação à filosofia, mas a partir de então, de forma materialista e mecanicista, os cientistas restringiram a compreensão da teoria ao âmbito da experimentação.
Falando agora da teoria nas ciências formais (especialmente na matemática), esta se dá por meio de um conjunto de postulados teóricos que, a partir da concatenação lógica de verdades aceitas racionalmente, busca uma conclusão. Está para as ciências empírico-formais (não se separando delas) como a lógica clássica para a filosofia. Como não trabalha diretamente com o objeto ou fenômeno não chega a ser exatamente uma ciência, sendo mais um conjunto de invenções simbólicas e tautológicas. O matemática “cria” mental e simbolicamente o retângulo (não parte de algo existente na natureza) e, portanto, a rigor, não se pode falar em teoria na matemática (é uma ciência do abstrato, o que dificulta estudar o ato de teorizar – em uma visão antropológica) – é uma lógica formal com troca de símbolos.
Situação menos completa ainda se dá nas ciências hermenêuticas, já que não se pode prender nem ao objeto nem à abstração formal, tendo que ser mais aberta. Seu objeto é, ao mesmo tempo, sujeito (natureza humana e social). Disso geram os seguintes problemas: a) a hermenêutica não pode ser completamente ciência por não poder enquadrar-se nos moldes das ciências empírico-formais; b) o método indutivo não é suficiente porque entra um fator novo, a interpretação, em uma situação em que deve promover um encontro entre a matematização dos resultados com a interpretação do homem, sem se prender à relação de causa e efeito.
Os seus resultados são sempre abertos e a fazem ciência da interpretação por natureza (ao contrário das ciências empírico-formais, cujas leis são absolutas), o que a nega justamente o caráter de ciência (é uma quase-ciência), justificando o perigo de se falar em teoria nas ciências humanas. Estas vão depender, portanto, das “escolas” a que se estiver vinculado.
Por fim, mais que em outras ciências, a questão antropológica está evidente. “Antes de mais nada fazem-nos ver que sua compreensão se vincula diretamente ao fato de o homem, na sua relação com o mundo, ser não só o protagonista (elemento central) de toda teoria, enquanto abstração, mas também o ser teórico-prático” (p. 63).

II Segredos da Unidade Teoria/Prática

Justificativa desta abordagem
Para uma percepção da teoria de forma mais ampla não se pode optar nem pela abordagem clássica nem pela da ciência moderna. O pensamento clássico, preso à abstração e ao raciocínio lógico, deixou de lado o elemento da síntese, que permite a junção do real e do racional, fazendo isso de tal forma que deu mais valor ao pensamento que o próprio objeto em sua concretude (o pensamento não pode servir apenas de capa). A abordagem empírico-experimental também não ajuda, já que igualmente descartou a síntese, prendendo-se a experimentação do objeto concreto e rejeitando a visão global da realidade, praticamente esquecendo-se do homem.
Nesse contexto, a filosofia (não a clássica) vem fazer uma crítica da ciência para redescobrir o homem (como classe) escondido pela tecnologia, que se encontra em um percurso histórico em busca de sua realização. E é nas ciências humanas, mesmo com seus ruídos distorcidos por escolas e ideologias, que mais se busca o conhecimento do homem concreto, do homem como sujeito.

Unidade teoria e prática na “práxis”
Questão eminentemente dialética ocorre ao se abordar a identidade e a diferença entre a teoria e a prática, tendo sempre o homem ao centro. A ação do homem se dá por um significado cultural que o diferencia do mundo material natural, sendo que para falar em teoria é necessário apreender esse significado antropológico, que implica na dependência da teoria à prática. Essa relação, como questão humana, entende-se como práxis.
O animal não pode ascender à práxis, pois age em uma prática pura, não podendo criar cultura e impedido de elaborar a teoria a partir do que faz na prática, mesmo que tenha invejável desenvolvimento em determinado tipo de ação (p. ex.: a abelha). A capacidade de contemplação sobre ação (na práxis), portanto, diferencia o homem.
A natureza também pode provocar mudanças, mas apenas como ação de mudança, enquanto a ação do homem é duplamente transformadora, pois transforma a natureza e a si próprio. “Ainda, em nível superior, esta ação transformadora (práxis) é que chega ao estágio de ação revolucionária” (p. 72). Vê-se, portanto, que o homem, ao agir, modifica-se e, “se por um lado o homem só se faz à medida que faz (ação prática), por outro lado ele só faz (como ação consciente) à medida que se faz” (p. 73).
Voltando à questão da relação prática-teoria, aquela, sendo pressuposto desta, não pode ser entendida separadamente, como prática pura, pois a prática dissociada da teoria é uma ação animal, que nos impossibilita de passar da prática à práxis (também à síntese ou à unidade). Quanto à teoria, não se pode esquecer o aspecto teórico da prática, ou seja, uma reflexão abstrata do ato que lhe dê significado cultural e teleológico, buscando, contudo, não se desvincular da prática. Por o homem poder idealizar uma prática antes dela acontecer é que a teoria serve de instrumento da práxis social. A práxis, portanto, é a ação humana refletida, objetivada pela teoria, é ação projetada, consciente e transformadora do natural, do humano e do social.
O homem não pode, por essas percepções, livrar-se nem da teoria nem da prática, o que é uma contradição. Essa contradição consubstancia-se no fato de que o homem, ao agir, assume a prática, ao mesmo tempo que a nega como prática pura, pois a relaciona a uma teoria (atividade antropológica que o animal não pode ter), já que o homem não pode criar a ação cultural a partir do nada.
Isso gera uma autonomia da teoria, já que, por meio dela, pode-se moldar e antecipar-se à prática, autonomia essa relativa pois, ao negar a prática pura, dá a ela um significado, fazendo um exercício de retorno ao que ela negou. Aliás, a separação entre uma coisa e outra não existe de modo absoluto e, não sendo o homem um ser de um ato só, não há como idealizar uma prática se ele já não se encontra nela. “Assim, essa separação é uma questão formal. Aliás, é esta separação que nos leva ao duplo vício: tanto o de colocar a prioridade na teoria como na prática” (p. 79).
Ao colocarmos prioridade na teoria caímos no idealismo, pois ela é mesmo um estágio de abstração e contemplação, mas não deve ficar nisso, para caminhar em direção à unidade. Por isso, no pensamento clássico (formal), há tendência ao dogmatismo de verdades absolutas, onde o homem e o mundo não crescem, uma vez que não se abrem à prática, antecedendo-a quase absolutamente e provocando a cisão entre o real e o racional, o real e o ideal (razão pela qual o grande problema do pensamento hoje é a questão do método).
Priorizando a prática, caímos no praticismo, onde se vê a teoria como “contemplação inútil”, em uma atitude mesmo “facista porque rompe com a crença de que o homem na sua atividade possa crescer, amadurecer, a partir de sua prática refletida, teorizada” (p. 80).
Em ambos os vícios reduz-se tudo ao senso-comum, que tende a dissolver o teórico no prático, em uma forma de perigosa fuga cultural, uma vez que a atividade humana precisa de um respaldo teórico para os avanços e para fugir da mediocridade. O senso-comum, ainda, esconde elementos à compreensão da realidade por simplificar demais as coisas, levando-nos a um estado de “inocência teórica” que representa obstáculo à articulação crítica e ascensão à práxis.
Além disso, como a prática é parte mais visível, muitas vezes não percebemos o lado teórico de nossas ações, o que é acentuado pelo senso-comum, e perceber a presença direta ou indireta da teoria nos permite uma consciência da ação e nos faz sujeitos.
Há, ainda, o aspecto ideológico que interfere na relação teórico-prática, na perspectiva de que nossos atos são ideológicos por serem sociais e históricos. Essas ideologias interferem no pensamento e na ação, conscientemente ou inconscientemente e, nesse caso, o homem é um assimilador de ideologias, mesmo que não perceba, passando a ser um repetidor delas (sendo boas ou perversas).
Outro equívoco é imaginar a teoria ligada apenas ao ato de pensar pois, em verdade, o ato teórico estabelece-se a partir de um todo de relações (ações, pensamento, desejo, sonho etc) com interferências ideológicas. “Teorizar bem, ascender à práxis, tem muito que ver com a sua capacidade de abrir-se ao mundo, aceitá-lo e/ou negá-lo para poder transformá-lo” (p. 85).

Conclusão
A obra, um livro “de bolso” de uma coleção “primeiros passos”, possui uma mensagem muito mais profunda do que, em uma primeira impressão, se possa ter. O Autor, após uma abordagem geral que permite ao leitor pouco afeito à filosofia uma base mínima de conceitos, parte para uma audaciosa incursão sobre o tema da práxis, desde seus alicerces lógicos, um tema, aliás, amplamente discutido por Hegel e Marx, o que poderia parecer pretensioso.
No entanto, ao contrário do que se poderia imaginar, Pereira consegue demonstrar claramente a aparente complexidade da dialética entre teoria e prática, não deixando dúvidas quanto à influência de uma série de fatores na formulação teórica. Ascender à práxis, assim, permite fugir do excentrismo científico ou da mediocridade do senso comum, garantindo ao homem um processo constante de avanços e recriação do seu próprio ser.

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