5 de jun. de 2009

O Jeito na Cultura Jurídica Brasileira - Keith S. Rosenn

Rio de Janeiro: Renovar, 2005. 131 páginas.

Introdução
O Autor inicia a obra mencionando uma anedota onde um recém-formado médico francês é aconselhado por um cônsul brasileiro, quando de sua tentativa de imigração, a alterar sua profissão, o que facilitaria a concessão do visto (o que seria “um jeito”). O Autor continua fazendo referência ao fato de que a flexibilização da aplicação das leis também ocorrem em outros países, mas no Brasil adquiriu um status privilegiado, em “um genuíno processo brasileiro de resolver dificuldades, a despeito do conteúdo das normas, códigos e leis” (p. 13).
Propõe, para estudo, a divisão do “jeito” em cinco categorias: 1) o servidor deixa de cumprir sua obrigação em troca de vantagem; 2) o particular que utiliza de subterfúgios para fugir da lei; 3) o servidor que só cumpre o dever com presteza mediante remuneração; 4) o particular que burla uma lei irrealista, injusta ou economicamente ineficiente; e 5) o servidor que foge da lei pelas mesmas razões do item 4. Os três primeiros poderiam ser classificados como corrupção. O 4 e o 5 denotariam situações onde o interesse público seria melhor servido pelo descumprimento da lei.
Segundo Keith, o “jeito” não tinha, até então, atenção acadêmica no Brasil, principalmente porque as faculdades tendem à exegese clássica de textos jurídicos e refugam pesquisas empíricas, ou ainda pela dificuldade de pesquisa, por se tratar, muitas vezes, de ações ilegais. E afirma: “atitudes relativas ao direito, refletidas em uma instituição paralegal como o jeito, são no mínimo tão importantes quanto, e em vários aspectos até mais do que, as instituições consagradas na estrutura forma” (p. 16).

Capítulo II – As Raízes do Jeito
A formação do Estado português foi influenciado pelo direito romano e posteriormente transplantado para o Brasil, tendo por características culturais: 1) tolerância à corrupção; 2) falta de responsabilidade cívica; 3) desigualdade sócio-econômica; 4) sentimentalismo; e 5) disposição a chegar a um acordo.
A) A Herança Dualista do Direito Romano: O direito português foi inspirado no romano, cuja formação se deu em um contexto dinâmico e diversificado, já que Roma era o centro de um imenso império. O Corpus Juris Civilis de Jutiniano, contudo, já demonstrava uma rigidez que o descolava da realidade. No Séc. XI, o redescobrimento daquela obra gerou escolas que a tinham como verdade absoluta, normas abstratas mas divorciadas do contexto econômico, sendo que o trabalho dos glosadores e dos comentadores exerceram forte influência nas ordenações Afonsinas e Filipinas. Esses estudiosos procuravam formar um “sistema harmonioso e universal de normas éticas de conduta” (p. 19), afastando normas tradicionais “para padrões éticos irrealistas que refletiam ideais almejados” (p. 20).
Portugal teve, assim, dupla influência romana: um pelo tempo em que foi ocupado, de caráter prático, e outro de natureza ideal, decorrente da interpretação do Corpus Juris Civilis, o que persiste ainda hoje no Brasil.
B) O Pluralismo Legal: A história jurídica portuguesa é também caracterizado, tanto nos tempos de ocupação romana, visigótica e moura, por um personalismo do direito, com normas diferentes para conquistadores e conquistados. Após a reconquista, os reis portugueses concediam privilégios legais para certas cidades ou grupo de pessoas, em uma antítese de sistema universalista. “O pluralismo jurídica de fato, tão freqüentemente encontrado no Brasil é fortemente ligado ao pluralismo 'de jure', predominante no passado de Portugal” (p. 22).
C) A Influência do Catolicismo: Diversas regras rígidas de inspiração católica, mas dissociado da realidade, resultaram em todo tipo de burla por meio do “jeito”. Assim ocorreu desde o tempo colonial, com a escravização dos índios, apesar de legalmente proibido. Já no Império e na República, o divórcio era proibido (até 1977), o que fazia com que as pessoas, por exemplo, casassem diversas vezes no exterior, o que era socialmente aceito. A lei de usura, de 1951, que impedia a fixação de juros acima de 12% ao ano (repetida na CF de 88), tornou-se obsoleta com a inflação galopante e jamais foi aplicado ao sistema financeiro. Por fim, o aborto, que é crime, ocorre rotineiramente em clínicas ilegais, fazendo que o Brasil seja um dos países com índices mais altos de aborto no mundo.
D) A Administração Colonial: A forma confusa como a administração colonial foi implantada no Brasil gerou “desconfiança aos servidores governamentais e desrespeito às Leis”, o que tem impedido, ainda hoje, a implantação de reformas administrativas.
1. O Legado do Patronato
O sistema legal português baseou-se no patronato, onde o Rei concedia privilégios e favores em troca da lealdade. Os lucros dos monopólios eram agregados ao patrimônio do monarca e não da nação, produzindo corrupção, burocracia e um sistema jurídico personalístico e imprevisível.
1.1. A Corrupção: Como os serviços públicos eram privilégios concedidos ou comprados do Rei, a noção de cargo público era deficiente, permitindo todo tipo de utilização pessoal. O “presentinho” era, e ainda é, um meio de se fazer funcionar a estrutura do Estado. “Em vez de serviços públicos, os cidadãos buscavam favores do governo, os quais eram concedidos em bases pessoais e em troca de 'outros favores'” (p. 28), gerando, até hoje, uma confusão entre patrimônio público e privado.

1.2. A Papelada Burocrática: Em razão da centralização do poder em Lisboa, os administradores da colônia eram apenas executores, razão pela qual era necessária uma extensa burocracia para esse fim, principalmente porque o Conselho Ultramarino se preocupa até mesmo com os mínimos detalhes.
1.3. A Administração ad hoc da Justiça: O sistema judicial brasileiro, decorrente do patronato, foi sempre deficiente, as decisões eram sempre dependentes de uma decisão final do Rei e a fiscalização inexistia, o que gerava freqüentemente a preferência pela “justiça com as próprias mãos”. Os próprios juízes, portugueses, proibidos de casar com brasileiras e fazer negócios, descumpriam essas regras e enriqueciam na colônia, além de, diversas vezes, distorcerem as leis para servirem aos seus próprios interesses. Após a independência a situação piorou, com a diminuição do quantitativo de juízes, o que não foi resolvido com a reforma que instituiu os juízes de paz (eleitos), freqüentemente acusados de corruptos e incompetentes.

2. A Confusão da Legislação Portuguesa
Primeiramente, a legislação vigente no Brasil colonial era tão extensa e diversificada que surpreende que a máquina administrativa tenha chegado a funcionar. Além disso, a própria monarquia permitiu, legalmente, que a legislação portuguesa fosse reinterpretada, no Brasil, de maneira relaxada (Carta Régia de 1745). As ordenações, que códigos não eram, mas compilações, foram parcialmente obscuras “desde o início e, depois de uma séria de emendas incoerentes e conflitantes, virou uma confusão d]tão grande que uma 'varinha de condão' era tão eficiente como qualquer outro guia para pesquisas jurídicas” (p. 36). Não obstante, serviram de base do direito civil brasileiro até 1917.

3. A Lei da Boa Razão
A lei de 18 de agosto de 1769, legada aos brasileiros pelos portugueses, estabeleceu que as regras do direito romano somente seriam aplicáveis em uma análise, em cada caso, da “boa razão”, um conceito flexível que permitia amplas interpretações, o que incentivava juízes e advogados a observarem o senso comum, o espírito da lei e os costumes com base das decisões, precursor do “jeito”. “Assim, a prática brasileira de reinterpretar leis à luz do bom-senso tem por antepassado espiritual a Lei da Boa Razão” (p. 38).

4. A Fraqueza do Controle Português
Portugal, pela pequena população, tinha dificuldade de manter uma estrutura de controle no Brasil, cujo poder era descentralizado nas mãos do senhores de terras, inclusive no campo jurisdicional. Isso dificultou a retomada do poder pela Coroa, a tal ponto que, segundo Gilberto Freyre, o Rei de Portugal quase que reinava sem governar. Institucionalizou-se, ademais, o não cumprimento das ordens reais em certos locais quando injustas ou perniciosas aos destinatários. Outros fatores foram determinantes, como o envio de condenados para o Brasil, pesados tributos (que incentivavam o descumprimento da lei), além da vastidão do território, que dificultava a comunicação.
E) A Falta de Responsabilidade Cívica e o Personalismo
Os portugueses legaram aos brasileiros, ainda, pouco senso cívico e uma forte obrigação para com amigos e parentes, o dificulta uma aplicação impessoal da lei. Além disso, esse caráter com ênfase nas relações pessoais faz com que a simpatia esteja acima da lei, até porque as normas são sempre vistas em termos eqüitativos e com uma filosofia humana.
F) A Profunda Desigualdade Sócio-Econômica
A imensa desigualdade sócio-econômica brasileira reflete-se no âmbito jurídico: existe uma lei para elite e outra para o povo, apesar da retórica constitucional da igualdade. “No Brasil se diz, com boa razão: 'o Código Civil é para o rico; o Código Penal para o pobre'” (p. 46). Essa diferenciação é demonstrada, por exemplo, na prisão especial para detentores de curso superior.
G) O Sentimentalismo
Conseqüência do relacionamento direto pessoal é que o brasileiro, entre cumprir a lei ou ajudar alguém de quem se sente pena, opta por esta, em um “complexo de coitado”, que é alguém que precisa ser protegido. “Este sentimentalismo nacional tende a atenuar o rigor da lei e multiplicar a incidência do jeito” (p. 48).
H) A Arte da Conciliação
O brasileiro tende à conciliação, provavelmente em razão da necessidade histórica de superar os obstáculos com sutileza e dissimulação, o que se tornou arte e tradição no país. O “jeito” é, assim, uma manifestação dessa tendência, “herdada dos portugueses para achar soluções pragmáticas para penosos problemas” (p. 49).

Capítulo III – A Cultura Jurídica: Paternalista, Legalista e Formalista
A) O Paternalismo
A herança da monarquia, da Igreja e da família na forma patriarcal impregnaram a estrutura social, de tal forma que o “patrão”, membro da elite, serve de intermediário aos interesses dos empregados, em uma personalização dos serviços públicos. Nesse contexto, as leis são “outorgadas” ao povo sem os necessários estudos e discussões, de forma paternalística, pelo que um grupo entende como bom para o povo e não decorrente de pressão popular, a exemplo do que aconteceu com a CLT. A previsão constitucional do salário mínimo é outro exemplo, já que seu valor não consegue garantir os bens da vida mencionados na Carta Magna.
B) O Legalismo
A sociedade brasileira faz questão de que todos os aspectos de sua vida sejam reguladas por lei, de tal forma que “nada é juridicamente irrelevante” (p. 54), buscando-se detalhar ao extremo e pré-ordenar todas as possíveis ocorrências futuras. Presume-se, ainda, que todos os problemas podem ser resolvidos por meio de uma lei, sem se observar se seu conteúdo é exeqüível. “Raramente se debate se a sociedade está ou não disposta ou habilitada a bancar os custos da execução de uma lei” (p. 55).
O fato de as leis poderem ser compradas na banca ou que litígios banais como aquele que discute se determinado aluno foi justamente reprovado, às vezes até mesmo levados ao Supremo Tribunal Federal demonstram bem o caráter legalista da sociedade. “O legalismo tem também concorrido para a popularidade do jeito de duas maneiras: provocando uma abundante legislação regulamentar, e falhando em prover suficiente flexibilidade a tal legislação. O jeito pode ser encarado como uma solução legalista para ambos os problemas” (p. 58).
C) O Formalismo
Intimamente ligado ao legalismo está o formalismo, havendo uma tal preocupação com a autenticação e verificação que “a presunção parece ser de que todo cidadão está mentindo, até que ele produza prova documental escrita de que está dizendo a verdade” (p. 59), demonstrando acreditar-se mais em documentos que em pessoas. Justifica-se esse formalismo, dentre outras coisas, ao transplante não-adaptado das leis européias e o pouco alívio quanto àquelas herdadas de Portugal.

1. A Ciência Jurídica e a Educação Jurídica
A educação jurídica brasileira é formalista e preocupa-se muito mais com a exegese clássica de texto legais formais, em um dogmatismo que busca uma coerência intrínseca do sistema jurídico sem preocupação com a conduta das pessoas afetadas.

2. As Estratégias para Promover ou Evitar Mudanças Sociais
Existem teorias que acenam para o fato de que o formalismo tanto pode servir para induzir determinadas mudanças quanto para evitar que elas aconteçam. No primeiro caso, as elites moldariam a sociedade que aspiravam ter; No segundo, eventuais mudanças seriam amortecidas pelo conservadorismo administrativo, já que as leis, mesmo editadas, poderiam ter barrada a sua implementação nesse nível. Quanto a esse, exemplifica com o Estatuto da Terra que, avançado para 1964, não conseguiu implementar a reforma agrária por falta de compromisso fundamental às metas em todos os níveis. Dessa maneira, as elites têm tido êxito em barrar reformas constitucionais; falhando, resistem no congresso à legislação; falhando, obstruem a implementação burocrática; mais uma vez no insucesso, recorrem ao judiciário; e por fim, sempre há a possibilidade do jeito.

Capítulo IV – O Imbróglio Burocrático
A burocracia, caracterizada pelo “empreguismo” por meio de “pistolões”, inchando a máquina pública, inclusive com órgãos que se sobrepõem, facilitando eleições com promessas de emprego. As leis que permitem a demissão por ineficiência não são observadas e a própria Constituição Federal “legalizou” antigos empregados contratados irregularmente. Muitos devem seus empregos à “politicagem” e está inclinado aos favores. O excesso de formalismo, assim, serve para dar o que fazer a alguns e dividir as responsabilidades a outros. A burocracia é evidente em todos os âmbitos, exigindo-se, tipicamente, para resolver uma questão, a ida a diversos órgãos estatais e enfrentamento de longas filas para organizar todos os documentos e autenticações necessárias, além da demora na prestação do serviço.
A centralização do poder, a falta de sua delegação e longa espera para que os documentos e pareceres cheguem às áreas de decisão incentivam o jeito. Assim, reclama-se que servidores “criam dificuldades para vender facilidades”.
A) O Despachante
Diante da burocracia, floresceu a figura do “despachante”, que é a pessoa versada nos caminhos administrativos e responsável pelo preenchimento dos documentos e agilização junto aos servidores, o que muitas vezes se faz com o jeito (e mediante o devido agrado). “Se não fosse pelo jeito e pelo despachante, todo o aparato administrativo do Brasil estaria paralisado” (fl. 74).
B) A Reforma Administrativa
Nas últimas décadas várias tentativas de desburocratização ocorreram, desde os militares. Órgãos foram reorganizados, grande parte do processamento burocrático eliminado e tantos outros simplificados, medidas, porém, muitas vezes ignoradas. Além disso, o período de redemocratização fez lotear-se cargos públicos aos políticos dos partidos vitoriosos e a nova Constituição não conseguiu evoluir na estrutura de administração. Avanços ocorreram no governo Collor e vários outros foram obstados no governo Cardoso. Apesar do avanço, a burocracia continua sofrendo os mesmos problemas, com uma grande maioria de servidores ganhando mal e não-qualificados e uma minoria com altos salários.

Capítulo V – A Penetração do Sistema Jurídico Formal
Apesar do sistema formal brasileiro ter um caráter moderno, com a Constituição e principais códigos aplicados por uma estrutura hierárquica de órgãos formados por pessoas altamente especializadas, ainda há pouca capilaridade, havendo amplos espaços nas favelas e no meio rural para o surgimento de autoridades para-estatais
A) O Calígula Ressuscitado - À Procura da Lei Vigente
O acesso ao sistema formal é problemático pela dificuldade em se descobrir a lei vigente, tanto quanto era no tempo colonial. As normas são publicadas em Diários Oficiais a fim de produzir efeito jurídico, mas isso não assegura a facilidade de que seja encontrada no futuro, já que não há índices oficiais, e os não-oficiais costumam estar desatualizados. Não existem compilações oficiais, muitas leis se sobrepõem parcialmente e o costume de determinar que “revogam-se as disposições em contrário” resulta e que não se sabe exatamente quantas e quais leis estão em vigor.
Cita o autor editorial do Jornal do Brasil, quanto à confusão legislativa: “Isso é porque quando ele menos espera, um burocrata puxa uma norma legal de sua gaveta, como se fosse uma arma, e dispara contra o cidadão que deseja se envolver em qualquer tipo de atividade produtiva” (p. 85). Tudo isso reduz o PIB e concorre para a inflação e dívida a astronômica do país. Ainda, além de numerosas, as leis costumam ser confusas e mal redigidas, exigindo uma série de decretos e regulamentos que a expliquem. Nos Estados Unidos, em contraste, o sistema de produção das normas administrativas (rulemaking) exige um complexidade de atos até a redação final, evitando caprichos. Por fim, as autoridades costumam estar desinformadas das leis que deveria observar.
B) Após Goulart, O Dilúvio
A grande transformação sócio-econômica do Brasil, de rural/agrário para urbano/industrial, tornou muitas leis obsoletas. O regime militar pós Goulart tomou a iniciativa de reformas, em um dilúvio legal de pouca qualidade e, por terem sido editados sem discussão, apresentavam muitas ambigüidades. O mesmo ocorre hoje em relação às Medidas Provisórias.
C) A Medida Provisória
Os governos pós constituição de 88 têm usado prodigamente esse recurso, previsto originalmente apenas para situações excepcionais. Com validade de 30 dias, as MP's costumeiramente eram reeditadas com pequenas modificações, um “jeito” para burlar a Constituição e o STF. Um problema surgiu com relação às implicações jurídicas da rejeição de uma MP após longas reedições. Quanto a isso, também deu-se um jeito, incluindo cláusula convalidando todos os atos praticados com base nas predecessoras.
D) A Deficiência do Sistema Forense
A reputação do sistema forense brasileiro é de gigantesca lentidão, auxiliando a difusão do jeito. Essa lentidão se dá pelo desaparelhamento, pela dependência política e financeira, além do excesso de formalismo do sistema processual. O excesso de recursos permite a protelação das lides perdidas por longos períodos, em um “paraíso dos réus”, prejudicando aqueles com boas causas, com base em contrato ou responsabilidade civil. Policiais e escrivãos corruptos, que normalmente precisam de um “lubrificante” também são comuns. Assim, presos são soltos e processos desaparecem. Acrescente-se altas taxas judiciárias e custos com honorários advocatícios, e ver-se-á que o acesso à prestação jurisdicional é bem limitada. Recente tentativa de desburocratização têm tido sucesso contido, com os Juizados Especiais, sem, contudo, resolver o problema de acesso à justiça.
As decisões judiciais também são dispersas e não formam um corpo coeso, com índices de jurisprudências não confiáveis e incompletos, sem esquecer que as decisões, em países de tradição civilista, não são tão importantes. “Tendo em vista que o procedimento judicial se tornou praticamente inoperante, muitos se inclinam pela procura de métodos alternativos para se proteger' (fl. 96).

Capítulo VI – Os Custos do Jeito
A jeito, na forma de corrupção, causa imensos prejuízos financeiros e limitam o poder de atuação do governo no estímulo de condutas desejáveis e na redistribuição de rendas. As dificuldades burocráticas geram o chamado “custo Brasil”, que dificulta a competição internacional dos produtos brasileiros e milhares de potenciais trabalhadores ficam parados. Esses empecilhos ao crescimento afetam diretamente o PIB e estimula a economia informal, que não gera impostos, bem como gera altas taxas de sonegação e evasão fiscais.
Devido ao jeito corrupto, “as pessoas relutam em assumir responsabilidade pessoal pelas decisões, preferindo passar os documentos adiante para 'maiores apreciações'” (p. 100) e a morosidade da Justiça causa enorme prejuízos financeiros. A incerteza e imprevisibilidade do jeito desencorajam quem deseja investir e aqueles que estão regulares são forçados a burlar a lei para competir com um grande número de informais.
Ainda, problemas com linchamentos, prisões superlotadas e chacinas podem ser conseqüências do princípio de que burocratas e particulares podem reinterpretar ou ignorar leis que julguem muito restritivas ou inadequadas.
O próprio Estado, em prejuízo de sua credibilidade, muitas vezes faz uso do “jeito” para resolver problemas, citando o autor a mudança de regras que tiraram a Petrobrás, em 1983, de um imenso prejuízo em lucro. Outra faceta é o calote, declarado 6 vezes pelo Brasil em relação à dívida externa, e muitas vezes as desapropriações deixam de ser pagas regularmente, o que explicaria a razão do país pagar juros tão altos em relação ao mercado internacional.
“Finalmente, ao atuar como válvula de escape, o jeito tende a evitar a acumulação de pressão e desgastes suficientes para que se promovam as tão necessárias reformas jurídicas e administrativas.

Capítulo VII – Os Benefícios do Jeito
O jeito pode auxiliar a se contornar os obstáculos sem interferência governamental, servindo, ironicamente, como fonte de estabilidade e previsibilidade em um mundo onde leis e regulamentos estão em constante mutação. O Jeito, na forma do “soltar dinheiro para apressar” serve como um imposto direto sobre quem tem mais condição de pagar, em um dos poucos aspectos progressistas no sistema tributário brasileiro, indo direto para o bolso do mal pago servidor. “Ao preservar a fachada de legitimidade em face da rápida mudança social e econômica, o jeito tem sido de valor inestimável em possibilitar ao sistema brasileiro operar sem conflitos violentos” (p. 111).

Conclusões
Em uma análise primária, os benefícios e os custos com o jeito se sobrepõem e, a longo prazo gera obstáculos ao desenvolvimento do país. “O desenvolvimento exige u alto grau de integração social e cooperação comunitária, bem como o abandono dos padrões tradicionais e autoritários de comportamento” (pp. 113/114). Outrossim, a igualdade deveria ser garantida por meio de uma estrutura jurídica consetânea e uma administração impessoal e eficiente, de maneira a ser previsível os cenários futuros, garantindo aos empreendedores a possibilidade de calcularem os riscos ao fazer negócios.
“Uma sociedade desenvolvida moderna deveria deixar pouco espaço para a operação de uma instituição como o jeito. Uma sociedade de transição como a a brasileira, entretanto, com tamanha pletora de leis, decretos e regulamentos que apenas retardam o desenvolvimento, parece ter espaço de sobra... para o jeito!” (p. 114).

Conclusões Pessoais

O primeiro impacto à leitura do livro é o fato de encararmos um estrangeiro apresentando uma análise crua de nossa realidade, o que parece gerar de pronto uma rejeição ao conteúdo. Afinal, o que um americano quer com nossos problemas? Todavia, ultrapassado esse ponto, o que não é difícil diante do excelente conteúdo, o que se nos apresenta é um retrato muito exato de uma realidade bem conhecida mas muito pouco discutida.
Talvez o fato do autor se estrangeiro, ao revés de atrapalhado, tenha sido fundamental na construção da obra. Além, a ampla pesquisa, histórica e de campo, surpreende pela fidedignidade de seus resultados. O resgate da influência ibérica em nossas estruturas democráticas, aliás, aponta caminhos possíveis a uma ação cotidiana para que possamos tentar escapar da armadilha histórica recorrente.
A corrupção, o legalismo, o formalismo e o sentimentalismo, dentre outros elementos muito bem explorados na obra, são facilmente identificáveis na atuação dos servidores públicos de nosso país. Identificar essas questões como um legado e não como uma realidade incontornável é o primeiro passo à ação.
Pode-se dizer, a grande virtude da obra, diante de seu detalhismo e profundidade, é não oferecer qualquer possibilidade ao leitor de alegar desconhecimento da maneira como o jeito está perspassado em nossa cultura, forçando-o a uma atitude proativa, sempre que possível, na modificação das estruturas administrativas do Estado Brasileiro.

8 comentários:

Eduardo P. Strobel disse...

Obrigado pelo resumo. O livro é bem difícil de ser encontrado.

Rodrigo Neves disse...

Ok, Eduardo.

Coloco-me desde logo a disposição se precisar de algo.

Um abraço,

Rodrigo

Igor Rafailov disse...

Rodrigo, gostei do resumo.

EStou mestrando de Design na UFPE, e necessito fazer o link entre cultura brasileira, inovação e jeito.
Sim, o jeito é também positivo!
MAs pena que nada mais existe em outras áreas de estudo sobre o jeito.

Rodrigo Neves disse...

Caro Igor,
Como foi seu mestrado? Tem algum resultado para compartilhara?
Um abraço,
Rodrigo

Anônimo disse...

Olá, preciso desse livro em pdf, alguém tem o link?
/Thauanne

Iza disse...

Gente, quem primeiro falou sobre isso foi o antropólogo Roberto DaMatta, porém, o melhor livro teórico e didático sobre isso é de uma orientada dele: O jeitinho Brasileiro, de Lívia Barbosa.

Anônimo disse...

Ótimo!!!

goossens disse...

Alguém saberia dizer onde consigo encontrar ou baixar esse livro? Não o encontro em sebo ou lojas na internet...

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