Democracia é um conjunto de regras que prevêem como e quem está autorizado a tomar decisões coletivas, ressaltando-se que todo grupo social é obrigado, para manter a vida coletiva, a tomar decisões que vincule seus membros. Nesse contexto, lembra-se que o estado liberal e o estado democrático são interdependentes, porém têm andado em descompasso nas últimas décadas.
Muito já foi dito sobre as transformações na democracia, suficiente para lotar-se uma biblioteca, parecendo ser útil, portanto, focar-se no contraste entre os ideais democráticos e a democracia real. Considerando-se que a democracia advém de uma visão individualista, a sociedade teria sua constituição como fruto da vontade dos indivíduos, o que decorre de três posições da filosofia sócia moderna: o contratualismo, que sustenta o estado da natureza antes da sociedade civil; a economia política; e a filosofia utilitarista de Benthan a Mill, que parte da idéia de que o alcance do bem comum se dá pela soma dos bens individuais. Pensando no indivíduo soberano, a doutrina democrática imaginou um estado sem intermediários, porém o que vimos na história foi o oposto, com a formação de grupos como protagonistas da vida política na sociedade democrática, o que evidencia que a democracia fundada na soberania popular era o modelo de uma sociedade monista, enquanto a sociedade real é pluralista.
Em verdade, a base da representação política é incompatível com a representação de interesses e, dessa forma, a soberania do rei foi transferida para a da Assembléia por meio de mandatos livres. Esse princípio da representação política, porém, foi reiteradamente desconsiderado, sendo evidente, na prática, a existência de mandatos imperativos, que terminam por representar interesses particulares. Além disso, o poder oligárquico não foi superado e a computadorcracia, que pudesse permitir a superação das oligarquias e o exercício da democracia direta, é uma hipótese ingênua. Até porque, o excesso de participação pode resultar em apatia eleitoral.
De qualquer forma, uma vez conquistado o sufrágio universal, a extensão da democracia deve revelar-se, mais do que na democracia direta, mas da democracia política para a democracia social, pois o grau democrático de uma sociedade deve ser buscado no aumento dos espaços de participação, mais que do número dos que têm esse direito.
Outra dissociação das promessas democráticas e a realidade é a falta de eliminação do poder invisível. Dessa forma, hoje é ainda mais importante o controle público, no momento em que o Estado detém ilimitados poderes de conhecer seus cidadãos, fazendo-se pensar, nesse sentido, sobre o potencial da computadorcracia para os governantes. Até porque se poder tender, em vez de maior controle sobre os governantes, a um maior controle sobre os cidadãos.
Mais uma promessa descumprida refere-se à educação para a cidadania, eis que é evidente a apatia política inclusive nas democracias consolidadas bem como a diminuição do voto de opinião e aumento do voto de permuta, ou voto clientelar, levando a utilização dos direitos políticos em interesses pessoais.
Todos esses défices democráticos são agravados, ainda, pelo fato de que o projeto político democrático foi formulado para sociedades menos complexas que as de hoje, e os problemas atuais exigem competências técnicas cada vez mais especializadas e constituindo o que se pode chamar de tecnocracia, uma antítese da democracia.
Esse contexto levou ao aumento da burocracia e a formação de uma estrutura piramidal do sistema político, com o poder indo do vértice à base, enquanto em uma sociedade democrática o movimento deve ser contrário.
Os défices e obstáculos acima mencionados levaram à chamada “ingovernabilidade” da democracia, justamente porque o estado liberal, que emancipou a sociedade civil do sistema político, permitiu que as demandas livres aumentassem em número e urgência, criando uma defasagem entre o mecanismo da imissão e o mecanismo da emissão, ou seja, a democracia tem demanda fácil e resposta difícil.
[um sistema informatizado de democracia necessita desburocratizar e facilitar o acesso aos serviços do estado, para facilitar e agilizar não somente a demanda, mas também a resposta. A administração pública deve se reestruturar de forma a alcançar uma mudança de cultura.]
Apesar das dificuldades acima mencionadas, estas não foram suficientes para transformar os regimes democráticos em regimes autocráticos.
Por outro lado, considerando-se que a democracia é um conjunto de regras de procedimento, para contar com cidadãos ativos são necessários ideais. É preciso, portanto, relembrar que as lutas históricas que levaram às regras democráticas são decorrentes, principalmente, do ideal de tolerância, de não-violência, de renovação gradual da sociedade por meio do livre debate e do ideal de irmandade, que nos une todos os homens em um destino comum.
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