São Paulo: Editora Marin Claret, 2005. 155 páginas.
Introdução
Na introdução, Maquiavel oferece o conteúdo do livro a Lorenzo, filho de Piero de Médicis, como sendo a coisa mais cara que possuía, ou seja, “o conhecimento das ações dos grandes homens apreendido por uma longa experiência das coisas modernas e uma contínua lição das antigas”. Diz Maquiavel que procurou escrever de forma objetiva, “sem ornamentos”, esperando que o presente auxiliasse Lorenzo a alcançar a grandeza e a Fortuna que estavam a sua espera.
Capítulo I – Os vários tipos de Estado, e como são instituídos
Sustenta Maquiavel que todos os Estados ou são repúblicas ou são principados. Estes podem ser hereditários ou recentes (que podem ser de todo novos ou anexados a um existente). O povo destes estados ou estavam acostumados ao governo de outro príncipe ou eram estados livres.
Capítulo II – As Monarquias Hereditárias
O autor foca o trabalho nos principados, especificamente na forma como podem ser mantidos e governados. Diz que a existência de uma família reinante favorece a manutenção do poder, em contraste às monarquias novas, onde é mais difícil. Nas antigas, basta que se evite transgredir costumes tradicionais e se adapte às circunstâncias imprevistas. O soberano legítimo tem menos razões para ofender o povo, o que o torna mais querido e se não tem defeitos graves será fácil manter o poder.
Capítulo III – As Monarquias Mistas
Nas monarquias novas as dificuldades aparecem, especialmente quando se trata de um anexação de um novo membro a um Estado existente, pois os homens trocam de governantes esperando sempre melhoria, o que geralmente se mostra falacioso, refletindo, então, a necessidade de opressão do povo em razão da imposição do novo governo.
Isso resultará na formação de inimigos e afastamento em relação aos que ajudaram na conquista (por não satisfazer-lhes as expectativas). Assim, o soberano necessitará sempre do favor do povo.
Maquiavel estuda o caso da ocupação de Milão pelo rei Luiz XII, da França, reconquistado duas vezes pelos italianos. Na primeira vez tal ocorreu pela falta de apoio popular à França. E na segunda, por uma sucessão de erros que o Autor passa a analisar.
Diz que os Estados anexados podem ou não ter a mesma língua, sendo mais fácil a dominação no primeiro caso, bastando a extinção da dinastia que a governava. No segundo, não havendo divergência de costumes, para manter o poder basta a manutenção das leis e dos tributos, bem como eliminar os antigos governantes.
Situação diversa é quando se conquista uma província com língua, leis e costumes diferentes. Neste caso, as dificuldades serão grandes, sendo mais seguro o novo governante fixar nele residência, o que permitirá perceber rapidamente distúrbios, controlar melhor os subordinados e desmotivar invasões estrangeiras. Outra solução, neste caso, é a fixação de colônias (caso contrário será necessário manter um exército poderoso). As colônias custarão pouco, instalando-as com o aproveitamento dos bens de uma pequena parte da população. Esta nada poderá fazer, um vez que é de pequeno número e dispersa, enquanto o resto da população terá receio de ter mesmo destino. Diz o autor que “é preciso tratar bem os homens ou então aniquilá-los”. A manutenção de um exército, além de caro, criará inimizade em todo o povo que, apesar de vencido, está em sua própria casa. Assim, é melhor fixar colônias que manter guarnições.
Além disso, o governante, na região conquistada, deverá liderar e proteger os vizinhos menos poderosos, assim como debilitar os mais poderosos, evitando que sejam invadidos por estrangeiro tão ou mais poderoso que ele próprio. Isso resulta em que sempre será chamado a intervir, pois os habitantes menos poderosos o apóiam, “movidos pela inveja dos que tinham poder maior que o seu”. Somente deve ter cuidado em evitar que alcancem grande poder. Assim sempre agiram os romanos.
Os romanos costumavam a atentar não somente aos conflitos presentes mas também aos potenciais, pois a antevisão dos males torna possível curá-los. Sabiam que as guerras não podem ser evitadas e adiá-las só trás benefícios ao inimigo.
Voltando à França, Maquiavel analisa o comportamento de Luiz XII em relação à Itália. O rei aliou-se aos venezianos, que pretendiam conquistar a região da Lombardia, e poderia ter mantido o poder na Itália não fossem seus erros. No começo, conquistando a Lombardia, logo acenaram com amizade os líderes grande parte da Itália, e então os venezianos perceberam que, para conquistar algumas cidades, tinham franqueado aos franceses 2/3 da Itália. Todos os líderes locais tinham receio da expansão dos venezianos e da Igreja, o que os manteria unidos ao rei Luís XII. Todavia, este ajudou o papa Alexandre a ocupar a Romanha, o que o enfraqueceu e fortaleceu a Igreja. Além disso, dividiu Nápoles com o Rei da Espanha, tirando um rei que poderia ser-lhe tributário por um que poderia expulsá-lo. Só se deve conquistar um reino se o pode fazer sozinho. “O Rei cometeu, portanto, cinco erros: esmagou os menos poderosos; aumentou o poder de um Estado já poderoso; trouxe á Itália um estrangeiro de grande poder; não habitou no território conquistado, nem estabeleceu nele qualquer colônia”, acrescendo-se um sexto, a tomada do território veneziano. E finaliza com uma regra geral: “quem cria o poder de outrem se arruína”.
Capítulo IV – Por que o reino de Dario, ocupado por Alexandre, não se rebelou conta os sucessores deste, após a sua morte.
Poderia parecer estranho que tendo Alexandre, o Grande, morrido pouco tempo após a conquista na Ásia, seus sucessores tenham mantido o poder sem grandes dificuldades.
Os Estados são governados de duas formas. Por um príncipe e barões, estes com poder por sua linhagem e reconhecidos como senhores. Ou pelo príncipe e seus assistentes (ministros), que têm poder em razão do poder do príncipe, não inspirando nenhuma estima particular, tendo por exemplo a França e a Turquia, respectivamente. Aquela seria fácil de conquistar, mas difícil de manter, enquanto esta difícil de conquistar mas fácil de manter.
Quem invadisse a Turquia não poderia contar com a rebelião daqueles que, detendo poder, estejam descontentes, já que os administradores seriam meros representantes do príncipe, sem poder próprio. Assim, após a conquista, e eliminada família do príncipe, ninguém mais teria prestígio com o povo.
Já na França, a aliança com algum barão poderia abrir espaço para a conquista, mas depois não bastará eliminar o príncipe, pois permanecerão os nobres, prontos a liderar novas rebeliões. “Incapaz de contentá-los ou de exterminá-los, na primeira oportunidade o conquistador perderá o domínio sobre o Estado”.
O reino de Dario se assemelhava à Turquia, o que justifica a manutenção do poder aos sucessores de Alexandre.
Os romanos, na Espanha, França e Grécia, tiveram dificuldades, pois ali existiam muitos principados. Depois de extinta as linhagens, somente Roma era reconhecida como autoridade.
Capítulo V – O modo de governar as cidades ou Estados que antes de conquistados tinham suas próprias leis.
Quando um Estado está acostumado a viver em liberdade, existe três maneiras de mantê-lo: arruinando-o; nele habitar; ou permitir, mediante tributo, manter suas leis, mas governados por um pequeno número de concidadãos amigos.
Uma cidade livre, se não aniquilada, estará sempre sujeita a rebeliões em nome da liberdade perdida, não importando o tempo ou benefícios. Nas repúblicas livres, é mais seguro devastá-las ou nelas habitar.
Ao contrário, províncias acostumadas a um príncipe, eliminado este, não gabem viver em liberdade e têm dificuldade em se rebelar, podendo ser dominada por um novo príncipe firme.
Capítulo VI – Os novos domínios conquistados com valor e com as próprias armas
Os Homens prudentes costumam observar os grandes nomes da história e procurar imitar-lhes as características que os destacaram. Em geral, o soberano adquire o poder pelo valor ou boa sorte. Mantêm-se mais os que têm valor que os de boa sorte.
Grandes soberanos nada devam à sorte a não ser a oportunidade “e suas próprias e elevadas qualidades fizeram com que aproveitassem”. Os que se tornam príncipes “por seu valor conquistam domínios com dificuldade, mas os mantêm facilmente”. Isso porque a introdução de uma nova ordem é difícil e de sucesso duvidoso, já que gera inimizade dos que são beneficiários da ordem antiga e é fracamente defendido pelos novos. Se as inovações podem ser executadas por si (sucesso) ou se precisam de ajuda (insucesso), é que vão determinar as chances da empreitada. A força é necessária, já que é fácil persuadir os povos, mas é difícil que mantenham a opinião.
Exemplo é Hiero de Siracusa. Cidadão comum, por seus méritos, tornou-se capitão e depois príncipe. Aboliu a antiga milícia e abandonou antigas amizades, fazendo novas, edificando uma base sólida. “Custou-lhe bastante trabalho adquirir uma posição elevada, mas teve pouca dificuldade em mantê-la”.
Capítulo VII – Os novos domínios conquistados com as armas alheias e boa sorte
Chegar ao poder pela sorte oferece pouco trabalho, mas dificilmente há sua manutenção. Fica-se dependente de quem o levou ao poder. Além disso, não há experiência em comandar, inexistindo forças subordinadas por laços de amizade e fidelidade. Somente se o príncipe for muito valoroso conseguirá estabelecer as bases para um poder duradouro.
César Borgia, filho do Papa Alexandre, mesmo tendo tomado providências que um homem prudente deveria ter, preparando as bases para seu poder futuro, ainda assim perdeu o poder quando a influência do pai lhe faltou.
O Autor cita, então, o desenrolar histórico de César Borgia, que destruiu as famílias mais influentes por meio de subterfúgios, conquistando seus seguidores por meio de favores e cargos. O duque percebeu que o povo, que era comumente despojado por senhores fracos, precisava de ordenação, tendo enviado um representante cruel que pacificou a situação. Após, o duque estabeleceu um tribunal civil e, visando purgar o espírito do povo aplacado pela crueldade, matou seu governador, atribuindo-lhe a crueza. “A ferocidade do espetáculo causou espanto e satisfação ao povo”.
Estando fortalecido, e não confiando na França, que lhe dera suporte no começo da empreitada, César Borgia começou a discutir novas alianças. Em relação ao futuro, destruiu a linhagem dos senhores que havia espoliado, ganhou a amizade dos nobres romanos, influenciou o colégio de cardeais e buscava o fortalecimento de seu poder antes da morte do Papa.
Todavia, a morte do pai e sua própria doença debilitaram sua posição. Todavia, sua atuação fora exemplar. O poder do duque caracterizou-se por: garantia de novos domínios, fazer amizades, conquistar pela força e pela fraude, fazer-se amado e temido pelo povo, seguido pelos soldados, destruição dos que podiam ofendê-lo, ser grato e severo, magnânimo e liberal, supressão de uma infiel milícia etc.
Capítulo VIII – Os que com atos criminosos chegaram ao governo de um Estado
Há duas outras maneiras possíveis de se tornar príncipe que não seja pela sorte ou valor: por meio vil ou favor dos concidadãos. Exemplifica com Agátocles, o siciliano, que chegou a rei de Siracusa. Após galgar postos na milícia, certa vez convocou o senado e pessoas importantes do povo para alegada discussão sobre questões importantes, quando então matou todos e tomou o poder. Segundo Maquiavel, conquistar o poder por meio de assassínio de compatriotas, traição de amigos, sem fé, piedade ou religião, são métodos que levam ao poder mas não à glória.
Outro exemplo foi Oliverotto de Fermo. Órfão, foi criado pelo Tio Giovanni, que o encaminhou para treinamento militar. Após muitos anos, achando servil a situação de obediência, solicitou ao tio sua apresentação à cidade, junto com cem cavaleiros, já que há anos estava ausente. Após serem recebidos com entusiasmo, Oliverotto e seus seguidores mataram Giovanni e demais autoridades locais. Assumiu o poder do qual não havia inimigos, já que todos mortos. Um ano após, tendo constituído nova ordem e seguro do poder, foi enganado por César Borgia, que determinou seu estrangulamento.
Pode parecer estranho que pessoas, como Agátocles, pudessem viver em segurança em seu país por longo tempo. Isso se deve ao fato de que crueldade deve ser “bem” utilizada, ou seja, uma só vez, sem dar-lhe continuidade. “As crueldades mal-empregadas são as que, sendo a princípio poucas, crescem com tempo, em vez de diminuir. De onde se deve observar que, ao tomar um Estado, o conquistador deve praticar todas as necessárias crueldades ao mesmo tempo, evitando ter de repetí-las a cada dia”. Já os benefícios “devem ser concedidos gradualmente, de forma que sejam melhor apreciados”.
Capítulo IX – O Governo Civil
Como dito, o poder pode ser alcançado por meio de seus concidadãos, em um contexto de forças do povo e da aristocracia, conforme haja mais oportunidade para um ou para outro. O apoio dos ricos é menos seguro que os das massas e essas têm objetivos mais honestos que aqueles. Um povo hostil é indesejável, mas a hostilidade dos nobres resulta não só na deserção, mas na oposição ativa, buscando eles sempre salvar-se e ficar junto ao que presumem vencedor. O povo será sempre o mesmo, mas os nobres podem ser trocados pelo prestígio a ser concedido pelo soberano. O Autor faz, então, uma análise sobre os nobres, dividindo-os entre os que compartilham ou não da sorte do soberano.
Aquele que se tornar príncipe pelo povo deve manter sua estima (o que seria fácil, pois o povo apenas pede não ser oprimido); quem for apoiado pela aristocracia, deve igualmente ganhar a estima do povo. Dessa maneira, é necessário o favor do povo e “o príncipe prudente procurará meios pelos quais seus súditos necessitem sempre do seu governo, em todas as circunstâncias possíveis – e fará, assim, com que lhe sejam sempre fiéis”.
Capítulo X – Como avaliar a força dos Estados
Quanto aos principados, há aqueles que podem se manter por forças próprias e aqueles que precisam de auxílio alheio. Neste último caso, resta fortificar-se sem se preocupar com as terras ao redor, e só com grande relutância será atacado, pois “nunca parecerá ser fácil atacar aquele que tem sua cidade bem defendida e não é odiado pelo povo”. Assim, um príncipe não terá dificuldades de se manter, desde que possua provisões e meios para se defender.
Capítulo XI – Os Estados Eclesiásticos
Restam, ainda, os Estados eclesiásticos, que são conquistados não pela força ou sorte, mas por costumes religiosos. São os mais seguros e felizes, pois respondem a razões superiores. O Autor lembra que, até Alexandre VI, o poder temporal da Igreja era limitado, já que o papa era tolhido pelos Orsini e Colona. Alexandre VI, aproveitando a invasão francesa, galgou espaços, eliminando os obstáculos ao seu poder temporal, o que foi ampliado pelo papa Júlio II.
Capítulo XII – Os diferentes tipos de milícias e tropas mercenárias
Como já dito, para conquistar ou manter o poder, é necessário bom exército. Estes podem ser próprios, mercenários, auxiliares ou mistos. Os que contam com milícia mercenária nunca terão posição segura, pois os soldados são ambiciosos e infiéis. Os comandantes desses exército ou são bons militares ou não: se o forem, tentarão tomar o poder; se não, arruinarão o soberano. “A experiência demonstra que só os príncipes e as repúblicas armadas obtêm grandes progressos, pois as forças mercenárias só sabem causar danos”.
Capítulo XIII – Forças auxiliares, mistas e nacionais
Forças auxiliares são aquelas oferecidas por aliados, e são tão prejudiciais quanto as mercenárias: “se são vencidas, isto representa uma derrota; se vencem, aprisionam quem as utiliza”. Elas são ainda mais perigosas pois são unidas e obedientes, mas a outra pessoa, enquanto os mercenários são difíceis de serem coordenados por terceiros. Assim, a eficácia das milícias auxiliares é o seu maior problema, enquanto a ineficiência é o dos mercenários.
Exemplifica com César Borgia, que contou primeiramente com milícias francesas para conquistar Ímola e Forli, posteriormente contando com mercenários e, finalmente, com força própria, aumentando sempre seu prestígio nesse processo. Outro exemplo foi Hiero de Siracusa que, receoso das tropas mercenárias, mandou chacinar todos, formando um novo exército próprio.
Carlos VII instituíra alistamento militar, cujo sistema fora posteriormente banido por seu filho, que contratou suíços e formou um exército misto com nacionais. Essa é uma forma melhor que as milícias auxiliares ou mercenárias, mas muito inferior a um exército próprio. Segundo Maquiavel, a queda do império romano iniciou-se com a contratação de mercenários gôdos.
Capítulo XIV – Os deveres do príncipe para com suas milícias.
Conforme diz o Autor, os príncipes devem, acima de tudo, serem versados na guerra, devendo empenhar todos os esforços nisto em detrimento de tudo o mais, aproveitando os tempos de paz para preparar-se aos tempos de guerra, exercitando o corpo e o espírito e estudando a história dos grandes homens. O príncipe prudente, portanto, está sempre capitalizando experiência para resistir aos golpes da adversidade.
Capítulo XV – As razões pelas quais os homens, especialmente os príncipes, são louvados ou vituperados.
Quanto ao modo de lidar com súditos e aliados, Maquiavel ressalta que praticar sempre a bondade leva a ruína, e o príncipe que deseja manter-se utilizará desta faculdade conforme seja necessário. Os soberanos são conhecidos por diversas qualidades, como cruel ou misericordioso e sério e frívolo. Mas, para manutenção do poder, não se deve apegar apenas às qualidades “boas”, já que, muitas vezes “certas qualidades que parecem virtudes levam à ruína, e outras que parecem vícios trazem como resultado o aumento da segurança e do bem-estar”.
Capítulo XVI – A liberalidade e a parcimônia
A liberalidade, aqui tida no sentido de gasto do patrimônio, levará o soberano a ter que conseguir muito dinheiro, gerando o ódio dos súditos. O príncipe prudente será miserável, agradando uma maioria que não terá maiores gastos e desagradando apenas uma minoria, a qual seria beneficiada pela liberalidade. “Por esses motivos, o príncipe não se deve incomodar de ser tido como miserável, para não ter de onerar demais os súditos, para poder defender-se e para não se tornar pobre e desprezado”. Pode-se, contudo, ser pródigo, desde que com o patrimônio alheio, dos estados pilhados.
Capítulo XVII – A crueldade e a clemência. Se é preferível ser amado ou temido
Em princípio, é melhor que o soberano seja considerado clemente, mas em casos em que precise manter o povo unido e leal, não deve se incomodar com a reputação de cruel, preferencialmente por meio de poucos exemplos duros, que afetem indivíduos isolados. Assim, idealmente, é melhor ser, ao mesmo tempo, amado e temido, sendo mais seguro optar, se for o caso, pelo temor, já que “os homens têm menos escrúpulos em ofender quem se faz amar do que quem se faz temer”. Deve-se, em todo caso, “mesmo que não se ganhe amor dos súditos, pelo menos que evite seu ódio”. Para isso, em regra deve abster-se de atentar contra o patrimônio, a não ser que possa justificar, o que é mais difícil em relação à tomar uma vida alheia. Dessa forma, o príncipe, no comando do exército, deve aceitar a fama de cruel, para manter o controle dos soldados.
Capítulo XVIII – A conduta dos príncipes e a boa-fé
O príncipe, para manter o poder, não precisa obrigatoriamente manter sempre a palavra empenhada, desde que assim haja de forma perfeitamente dissimulada. Assim agirá principalmente quando a boa-fé for contra seus interesses ou os motivos que a justificavam já não existam. O soberano deve possuir, assim, natureza tanto humana quanto animal e, neste caso, ter as qualidades da raposa e do leão. “Os homens são tão pouco argutos, e se inclinam de tal modo às necessidades imediatas, que quem quiser enganá-los encontrará sempre quem se deixe enganar”.
Não é necessário que o soberano tenha todas as qualidades já mencionadas, mas parecer que as tem é essencial. “Assim, é bom ser e parecer misericordioso, leal, humanitário, sincero e religioso; mas é preciso ter a capacidade de se converter aos atributos opostos, em caso de necessidade”. “Todos vêm nossa aparência, poucos sentem o que realmente somos”.
Capítulo XIX – Como se pode evitar o desprezo e o ódio
O príncipe deve evitar ser odiado ou desprezado, não devendo expropriar bens dos súditos sem justificativa ou parecer frívolo, volúvel e tímido. Suas decisões devem ser irrevogáveis e sua imagem de grandeza e fortaleza, devendo-se precaver, no plano interno, das conspirações e, no plano externo, das potências estrangeiras.
A melhor proteção contra as conspirações é não ser odiado pela massa, já que o conspirador será demovido pelas dificuldades e possíveis aliados temerão um benefício remoto na vitória em contraste com uma punição certa na derrota. Assim, “quando a disposição do povo lhe é propícia, o soberano tem pouco a temer com as conspirações”.
O soberano deve, ainda, procurar o equilíbrio entre agradar os grandes e o povo. Um meio útil é o parlamento, por meio do qual se exime da “censura dos nobres, ao favorecer o povo, e do ódio do povo causado pelos favores concedidos aos poderosos”, donde se extrai outra regra: “que os príncipes devem delegar para outras pessoas as tarefas como os julgamentos, e conceder os favores, pessoalmente”.
O Autor busca, então, exemplos nos imperadores romanos, demonstrando que estes, além da nobreza e do povo, tinha que satisfazer um terceiro elemento: os soldados. O soberano, muitas vezes, então, necessitava fazer o mal para manter o poder perante o partido dominante, quando corrupto este, fosse ele dos nobres, do povo ou dos soldados.
Severo, mesmo impondo ofensas ao povo, conseguiu manter o poder, com as características do leão e da raposa. Sob o pretexto de vingar a morte de Pertinax, apresentou-se em Roma com sua tropa, sendo eleito imperador pelo senado, que o temia, e matou Juliano. Teve, ainda, dois obstáculos, os quais não seria prudente serem enfrentados ao mesmo tempo - Nigrino e Albino. Ofereceu, então, a este, o título também de imperador. Após derrubar Nigrino, acusou Albino de traição e eliminou-o.
O Autor cita, então, outros imperadores e o erros que cometeram, às vezes por excesso e às vezes por falta de ação. Vê-se, pelas narrações de Maquiavel, que a causa da ruína dos imperadores romanos mencionados ou foi ódio ou o desprezo.
Capítulo XX – A utilidade de construir fortalezas, e de outras medidas que os príncipes adotam com freqüência
Alguns príncipes, receosos, desarmam os súditos. Um príncipe novo, contudo, em geral os arma, pois eles pertencem ao monarca, criando uma fidelidade pelo privilégio. Já quando há o desarmamento, os súditos sentem-se ofendidos. Além disso, o príncipe sábio deve fomentar astuciosamente inimizades, de maneira “incrementar sua grandeza superando esse obstáculo”.
Afirma o autor que, ao se conquistar um Estado com auxílio de seus habitantes, deve-se observar suas intenções. Se fora somente o descontentamento com o antigo soberano, provavelmente o príncipe terá mais apoio daqueles que estavam anteriormente satisfeitos.
Os príncipes costumam construir fortalezas para se protegerem. Contudo, essa providência, em geral útil, pode ser inconveniente, conforme o caso, com exemplos citados por Maquiavel. “Se o príncipe teme seus súditos mais do que os estrangeiros, deve construí-la; em caso contrário, não”; “devem ser criticados, porém, os que, confiando em tais meios de defesa, não se preocuparem com o ódio popular”.
Capítulo XXI – Como deve agir um príncipe para ser estimado
“Nada faz com que um príncipe seja mais estimado do que os grandes empreendimentos”. Guerras costumam ser úteis, já que deixam os concidadãos ocupados em acompanhar o desenrolar dos fatos. Com ações que se desdobram, sem intervalos, deixa pouco tempo para que as pessoas as critiquem de forma eficiente. Um príncipe deve, portanto, buscar sempre conquistar fama de grandeza e excelência.
Outro ponto é declarar sempre sua posição, fugindo da neutralidade. Se duas potências vizinhas entram em guerra, é melhor que tome partido e também entre em guerra, já que o vitorioso não quererá amigos dos quais suspeita e o derrotado não receberá um príncipe que se omitiu. Porém, não deve se aliar a alguém mais poderoso, pois, se o aliado vencer, o submeterá.
“Os príncipes devem demonstrar também apreço pelas virtudes, dar oportunidade aos mais capazes e honrar os excelentes em cada arte”, proporcionando sempre, além disso, a possibilidade de que as pessoas possam empreender comercialmente sem receio. “Além disso, precisam manter o povo entretido com festas e espetáculos, nas épocas convenientes”.
O soberano deverá, ainda, dar atenção às diversas classes, encontrando-se regularmente com seus membros, mas sem perder a dignidade majestosa.
Capítulo XXII – Os Ministros dos príncipes
Conhece-se um príncipe pelos ministros que possui, e aquele deve sempre ser capaz de identificar as obras boas e as más destes. O soberano deve, assim, descartar os que pensam mais em si do que no monarca. Por outro lado, para assegurar a fidelidade do ministro, deve honrá-lo e enriquecê-lo, fazendo-lhe favores.
Capítulo XXIII – De que modo escapar dos aduladores
Algo difícil de escapar são os aduladores, fazendo com que muitos soberanos se iludam com que se lhe dizem. A saída é escolher pessoas confiáveis a que se dê liberdade de, quando perguntados (e somente nesse caso), dizer a verdade, deliberando, depois, sozinho, sempre mantendo com firmeza a decisão – desencorajando conselhos não solicitados. O Imperador deve ser discreto, não comunicando seus propósitos antecipadamente.
Capítulo XXIV – As razões por que os príncipes da Itália perderam seus domínios
A boa conduta de um novo príncipe o fará mais poderoso que um de linhagem hereditária. Isso porque os homens, tendo um presente fabuloso, esquecem facilmente o passado. Garantindo-se contra o povo e os nobres e tendo um bom exército à disposição, dificilmente se perde o Estado. Dessa forma, em geral se perde o poder não pela sorte, mas pela indolência. Exige-se do soberano, portanto, que, nos tempos de paz, se preparem para mudança de ventos.
Capítulo XXV – O poder da sorte sobre o homem e como resistir-lhe
É recorrente acreditar que estamos fadados a um destino traçado por Deus, do qual não podemos nos desviar. Maquiavel diz, contudo, que o livre arbítrio garante autoridade sobre metade das coisas, e influência sobre a outra metade. Assim, o príncipe pode se proteger da má-sorte prevendo-a e criando obstáculos.
Ainda assim acontece de um príncipe ser solapado do poder por alteração da sorte por ter fundado nesta sua autoridade. Além, a forma correta de agir (prudente ou impetuoso, por exemplo), muda conforme o tempo, não havendo uma característica imutável que garanta o poder. Muitas vezes, como mudam os ventos e não mudam os homens, seu insucesso se justifica.
Exemplifica com o papa Júlio II, que impetuoso, obteve amplo sucesso em suas empreitadas. Porém, morreu em não muito tempo, o que não o permitiu experimentar a situação histórica que se seguiu, que exigiria maior prudência, o que não lhe seria possível, por sua natureza.
“Conclui-se, portanto, que como a sorte varia e os homens permanecem fiéis a seus caminhos, só conseguem ter êxito na medida em que seus procedimentos sejam condizentes com as circunstâncias; quando se opõem a elas, o resultado é infeliz”.
Capítulo XXVI – Exortação à libertação da Itália, dominada pelos bárbaros
Neste capítulo final, Maquiavel tenta demonstrar a Lorenzo de Médicis que a história exige dele que lidere a Itália na retomada da dignidade, e que todos os sinais teriam sido dados para que ele, inspirado nos homens do passado, subisse ao trono como soberano e pegasse em armas. Aconselha a formação de um exército próprio para defender o país dos estrangeiros. Após demonstrar a necessidade de inovações no exército italiano, afirma: “Não se deve, portanto, deixar que se perca esta oportunidade; a Itália, depois de tanto tempo, precisa encontrar seu libertador”.
Conclusão Pessoal
A obra clássica de Maquiavel tem servido, ao longo dos últimos séculos, aos mais diversos “soberanos” e “ideologias”. A suas proposições de política, em regra amorais, levam em consideração, como o mesmo diz, a realidade dos fatos e não como os fatos deveriam ser.
A crueza e objetividade de cada um dos capítulos do livro falam de posicionamentos que, na essência, permanecem existentes nas condutas dos grandes líderes mundiais, e nos oferecem um acesso direto e inconteste dos mecanismos de ganho e manutenção de poder.
Os seus conselhos aos príncipes situam-se em uma zona de eficácia e não de escala de valores, não sem estabelecer a importância da relação dos Estados-Nação (que começavam a surgir) e o povo, ainda que não necessariamente como um comportamento humanista.
O processo de secularização então em curso na Europa é o pano de fundo da obra que, de forma lúcida mas também ambíguo, estabelece a estrutura básica da ciência política moderna e que exige do líder não só planejamento, senso de oportunidade e avaliação dos possíveis resultados, mas também sabedoria.