A Sociedade em Rede - Manuel Castells
Capítulo 1
Nas últimas três décadas, o cenário social da vida humana tem passado por uma revolução concentrada nas tecnologias da informação, que alterou as bases da economia, do Estado e da sociedade em um sistema de geometria variável. Isso ocorre em um momento em que os sistemas de representação política passam por uma crise de legitimidade, em grande parte como conseqüência de escândalos amplamente cobertos pela mídia, e em que as pessoas buscam ansiosamente por uma identidade onde possam se sentir seguros, seja pela religião, etnicidade, território ou nacionalidade. Deve-se ter especial atenção para que essa crise não leve a um rompimento da comunicação entre os grupos sociais e os indivíduos, que pode ocorrer pela suposição implícita de impotência ante um destino inevitável. A tecnologia tem um papel importante nessa construção.
Primeiramente, deve-se ter em conta que claramente a tecnologia não determina a sociedade, dado que a tecnologia é a sociedade e suas ferramentas não a representam por inteiro. Da mesma forma, embora a sociedade não determine a tecnologia, ela pode represar ou promover seu desenvolvimento, principalmente por meio do Estado, já que o mesmo sempre foi o primordial patrocinador do desenvolvimento tecnológico, na medida em que expressa e organiza as forças sociais em um determinado tempo e espaço.
O surgimento dessa nova estrutura social manifesta-se por uma variedade de culturas e instituições, associada a um novo modelo de desenvolvimento, o informalismo. A percepção dessas alterações parte da perspectiva teórica de que as sociedades se organizam em processos estruturados pela inter-relação histórica entre produção, experiência e poder, cuja dinâmica se mostra em alteração profunda. Nesse novo modo de desenvolvimento, o processamento da informação por meio da tecnologia de geração de conhecimentos é fonte de produtividade. Contudo, sua grande diferenciação em relação a outros modos de desenvolvimentos anteriores, que também utilizavam o conhecimento como base, é que, agora, a ação do conhecimento converge para o próprio conhecimento. Essa estrutura difunde-se por toda a estrutura social, modelando a esfera de comportamento social e comunicação simbólica, determinando o surgimento de novas maneiras de interação, controle e transformação social.
O meio decisivo de difusão desse paradigma se deu pelo processo de reestruturação capitalista, para o qual a inovação tecnológica e a modificação das organizações com foco na flexibilidade e adaptabilidade foram essenciais para permitir a sua velocidade e eficiência. Não obstante cada país reagir de forma específica a esse processo, de acordo com suas expressões culturais e institucionais particulares, hoje todas as sociedades são afetadas pelo capitalismo e pelo informacionalismo.
Essas novas tecnologias integram o mundo em redes, onde a comunicação mediada por computadores têm gerado comunidades virtuais que parecem organizar-se em torno de identidades primárias como meio de construção de significado. Por outro lado, aqueles que estão excluídos da rede respondem com a exclusão da lógica unilateral da dominação estrutural, em um processo recíproco de desligamento, cuja reconstrução do significado ocorre, principalmente, com bases étnicas e religiosas, desaguando na intolerância cujos efeitos são bem conhecidos.
Estamos diante de uma revolução, mas de que revolução é essa? É certo que a história ocorre normalmente em períodos de situações estáveis, permeadas periodicamente por ocorrências rápidas e importantes que estabelecem uma próxima era estável. Estamos em um desses raros momentos da história. As tecnologias que propiciam essa transformação não são somente o conjunto convergente de microeletrônica telecomunicação e optoeletrônica, mas também a engenharia genética e suas aplicações na reprogramação dos códigos de informação da matéria viva. As profundas modificações na economia, na sociedade e no estado, em seu conjunto, determinam a existência de um evento histórico da mesma importância da Revolução Industrial, tendo a tecnologia importância para o momento atual de forma análoga à que as energias tiveram anteriormente. Todavia, o que caracteriza a atual revolução tecnológica, e a diferencia essencialmente da revolução anterior, é a utilização da informação para geração de dispositivos de processamento e comunicação da informação, em um ciclo de realimentação entre a inovação e seu uso. As novas tecnologias são processos a serem desenvolvidos e não ferramentas a serem aplicadas, pois os usuários e criadores podem ser os mesmos. Ambas as revoluções, industrial e informacional, modificaram os processos por todo o sistema econômico e tecido social, sendo que esta última cria a base material para um movimento rumo à expansão da mente humana.
As mudanças nessa direção aceleraram-se fortemente somente na década de 60, apesar do passo decisivo ter sido dado em 1957, com a invenção do circuito integrado por Jack Kilby. Isso porque o avanço gigantesco da microeletrônica se deu em 1971, quando Ted Hoff, inventou o microprocessador, que é o computador constituído de um único chip, que colocou o mundo de pernas para o ar. Em 1975, Ed Roberts desenvolve o Altair, primeira “caixa de computação” ao alcance da população. A Apple, criada em 1976, popularizou o computador e, em 1982, já vendia US$ 583 milhões, com reação imediata da IBM, que lançou seu Computador Pessoa (PC), tornando-se o nome genérico dos microprocessadores. O Macintosh, da Apple, lançado em 1984, foi um passo determinante para a facilitação do uso do computador, com interface baseada em ícones.
Por outro lado, o software para PCs surgiu em meados dos 70, a partir do trabalho de Bill Gates e Paul Allen, que adaptaram o BASIC para o Altair, fundando, na seqüência, a conhecida Microsoft. Posteriormente, já na década de 90, a miniaturização, a especialização e a queda dos preços dos microprocessadores equipamentos fizeram com que os mesmos se espalhassem por máquinas em nossas rotinas diárias, de lava-louças a veículos. Assim, o custo médio de processamento saiu de cerca de U$ 75,00 por cada milhão de operações, em 1960, para menos de um centésimo de centavo de dólar em 1990. A formação de redes, porém, só se tornou possível com a ampliação das redes de comunicação que, por sua vez, somente se viabilizou com as novas tecnologias, em mais um exemplo de aplicação da relação sinérgica da revolução em andamento. Essa capacidade de transmissão optoeletrônica da informação, que constitui a base da Internet, é estruturada em arquiteturas de computação e roteamento, como ATM e TCP/IP. Aliás, o desenvolvimento da Internet se deu em conseqüência da interação de fatores militares, cooperação científica e tecnológica e inovação contracultural. Estratégia militar requeria um sistema de comunicação invulnerável a ataques nucleares, o que se consubstanciou em uma rede independente de centros de comando e trocas de informações por pacotes, que procuravam seu próprio caminho para chegar a qualquer ponto da rede. Assim, a primeira rede de computadores foi a ARPANET, que iniciou suas atividades em 1° de setembro de 1969. Para que os computadores pudessem comunicar entre si, porém, era necessária a criação de um protocolo padronizado, o TCP/IP, que conseguiu hegemonia e foi adotado em todo o mundo. Já em 1978 foi criado o primeiro modem para PC, em um movimento de contracultura, que permitia a transferência direta de arquivos entre computadores sem passar por um sistema central, ou seja, sem passar pela ARPANET. Essa conjunção de fatores viabilizou, ao final, que qualquer pessoa com conhecimentos tecnológicos e um PC pudesse participar de uma rede horizontal, apesar de que, ainda em 1990, os não-iniciados ainda tinham dificuldade para usar a Internet e os recursos gráficos eram bastante limitados. Foi então que, neste ano, em um centro de pesquisa na Europa – o CERN - desenvolveu-se a Word Wide Web – WWW. O CERN criou um formato para documentos flexíveis em hipertexto (HTML), bem como um protocolo de transferência dos mesmos – o HTTP – e, ainda, um formato padronizado de endereços - URL. Na seqüência, foram criados navegadores (browsers) que permitiam “surfar” na rede, criando uma verdadeira teia mundial.
Esse formato aberto e flexível da rede tornou-se aplicável a todos os tipos de atividades, em diferentes contextos locais e culturais, conectando-os eletronicamente. O surgimento desse novo sistema especificamente na década de 1970, com concentração nos EUA e na Califórnia, é atribuído a uma dinâmica específica de difusão e sinergia tecnológicas, decorrentes dos progressos alcançados nas duas décadas anteriores e com influência de aspectos institucionais, econômicos e culturais. Na década de 80, em um processo autônomo de reestruturação do sistema capitalista, o nível tecnológico alcançado exerceu papel fundamental na reestruturação organizacional e econômica, sendo na verdade moldado por ela. Assim, a revolução tecnológica foi decorrente de um conjunto de circunstâncias culturais, históricas e espaciais específicas e que determinaram sua evolução. O desenvolvimento dessas tecnologias contribuiu para a formação de meios de inovação onde as aplicações interagiam em um processo de tentativa e erro, exigindo a concentração espacial dos núcleos tecnológicos de empresas e instituições, com uma rede auxiliar de fornecedores e capital de risco como apoio. Portanto, conhecimentos científicos/tecnológicos, instituições, empresas e mão-de-obra qualificada são as bases da Era da Informação. Por outro lado, o ingrediente primordial não é o cenário cultural ou institucional, mas sinergia entre conhecimentos e informações com a produção industrial e aplicações comerciais, o que desmistifica a idéia de inovação sem localidade geográfica. De qualquer forma, é certo que foi o Estado, e não empreendedores de garagens, quem deu início à revolução da tecnologia da informação, já que a interface entre os programas de macropesquisa promovidos pelo governo e a inovação descentralizada em uma cultura de criatividade tecnológica é que permite o florescimento das novas tecnologias da informação. Todo esse processo criou um novo paradigma, onde a informação é sua matéria prima. A tecnologia passa a permear toda a atividade humana, aplicando a lógica de redes em qualquer sistema ou conjunto de relações, que crescem exponencialmente. O paradigma da informação é baseado da flexibilidade, permitindo não somente que processos, mas também organizações e instituições se modifiquem fundamentalmente, tornando possível inverter as regras sem destruir a organização, percepção que deve ser tomada sem ideologias, pois a flexibilidade tanto pode ser libertadora como repressiva. Em todo caso, a tendência desse paradigma é a convergência de tecnologias específicas em um sistema integrado, resultante da lógica compartilhada na geração de informação. Nesse contexto, mostra-se conveniente uma aproximação do tema que seja metodologicamente não-linear, que é a característica da teoria da complexidade. Em síntese, o paradigma informacional evolui em direção a uma rede aberta de múltiplos acessos, cuja abrangência, complexidade e disposição em forma de rede são seus principais atributos.