Cap. 7 – Tempo Intemporal
As sociedades contemporâneas permanecem dominadas pelo conceito cronológico do tempo, um tempo linear, irreversível, mensurável e previsível, mas que agora passa por uma relativização e fragmentação na sociedade em rede, em perceptível aceleração e compressão do tempo em todos os domínios da atividade humana. A situação mais evidente desse fenômeno é a circulação global de capital, onde as transações são praticamente instantâneas. Essa invalidação e manipulação do tempo pelos mercados globais é a fonte principal das crises financeiras características da década de 1990. Todavia, o controle do tempo também se evidencia na empresa em rede, uma vez que o mesmo é gerenciado com um recurso não-linear, flexibilizando o tempo como fator diferencial em relação à temporalidade de outras empresas, redes, processos ou produtos. Tal fenômeno também ocorre na estrutura laboral, que encolhe em número de horas por trabalhador e altera a forma de sua prestação. Há uma diversificação do tempo e horários de trabalho, de acordo com as empresas, redes, empregos, ocupações e características dos trabalhadores, de maneira que há uma tendência de que o tempo de serviço perca sua centralidade ao longo do ciclo de vida, havendo neste um processo de ruptura do ritmo biológico e social. Há crescentes possibilidades de controle da reprodução e média de vida dos indivíduos, a exemplo do fato de que agora a velhice possui condições sociais e estágios biológicos de natureza diversificadíssimas, a depender do capital social, cultural e relacional acumulado durante a vida. Na outra ponta, a reprodução é cada vez mais controlada, separando a reprodução biológica da escolha social possível pelas novas tecnologias. Esses elementos demonstram que se caminha para eliminação do fundamento biológico no ciclo de via, tendo por conseqüência a invalidação do tempo biológico humano, que é substituído por um momento de decisão existencial. Além disso, com o avanço das ciências médicas e o desvendar dos segredos da vida, permitimo-nos a ousadia de desafiar e negar a morte, representada tanto pela indústria da “vida saudável” com a boa-fé incansável dos médicos que tentam, tanto quanto possível, afastar o fim inevitável do ser humano. Mantendo a crença por tempo suficiente, criamos a eternidade em nossa existência, exceto naquele momento que somos rodeados pela luz.
A associação de morte, guerra e tempo passa igualmente por modificação em razão do novo paradigma tecnológico, apresentando-se em conflitos instantâneos cuja temporalidade tecnologicamente induzida é característica das sociedades informacionais, em uma nova forma de dominação do sistema. São guerras que envolvem poucos civis, de curta duração e cirúrgica. Diferem largamente de diversos conflitos violentos e intermináveis, o que demonstra que a nova temporalidade exclui países e acontecimentos não centrais da lógica dominante emergente.
A cultura da virtualidade real, mediada por um sistema multimídia, também influi a percepção do tempo em razão da sua característica simultaneidade e intemporalidade. Estes atributos são representados pelo hipertexto de multimídia, que modela as mentes e memórias das crianças que crescem neste novo contexto social. Por este meio, a ordem dos eventos perde o ritmo cronológico, organizando-se em seqüências temporais condicionadas à sua utilização. Eis a razão pela qual se constitui, ao mesmo tempo, uma cultura do eterno e do efêmero, cuja intemporalidade são expressões recorrentes tanto nos videoclipes como nos sons do espiritualismo eletrônico. Essa intemporalidade acontece quando o paradigma informacional e a sociedade em rede determinam uma desordem sistêmica na ordem seqüencial de fenômenos ocorridos em um dado contexto. A confusão surge porque o tempo intemporal pertence ao espaço de fluxos, enquanto o tempo biológico caracteriza os lugares, ou seja, fluxos induzem tempo intemporal enquanto lugares estão presos ao tempo. O que fica claro, em síntese, é que há uma diferenciação conflituosa do tempo entre interesses sociais opostos sobre a seqüência dos fenômenos, o que equivale em uma luta pelo poder.
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