Capítulo 4 – A transformação do Trabalho e do mercado de Trabalho: Trabalhadores ativos na rede, desempregados e trabalhadores com jornada flexível.
A principal maneira com que a globalização afeta a sociedade é por meio das transformações tecnológicas e administrativas das relações produtivas, que acabam ocorrendo em uma estrutura mais ampla tendente à individualização do trabalho e fragmentação das sociedades. Uma vez que tanto a produção industrial quanto a rural e de serviços são baseadas em conhecimentos, não há que se falar em uma época pós-industrial, mas em informacionalismo. Até porque, a suposição básica da teoria pós-industrial quanto à migração do trabalho da indústria para os serviços não condizem com a realidade. Esse equívoco ocorreu tanto porque os estudos foram realizados inicialmente nos EUA, desconsiderando a rede transnacional interdependente de produção, como porque as estatísticas utilizavam critérios ambíguos, mascarando as verdadeiras transformações. Além disso, a percepção original da teoria imaginava uma expansão das profissões ricas em informação, que na prática veio acompanhada de semelhante aumento das profissões não-qualificadas, tendendo o sistema a uma estrutura polarizada entre extremos, com redução da camada intermediária. Pode-se dizer, no entanto, que esses elementos, ao contrário do preconizado pela teoria pós-industrial, não levam a um modelo único de sociedade informacional. Assim, a diminuição significativa da mão-de-obra industrial e aumento daquela vinculada aos serviços, em geral refere-se a uma política e a um contexto social, cultural e político específico, significando uma readequação da rede em algum outro nó. Demonstração dessa circunstância se dá pela verificação de que sociedades igualmente informacionais possuem estruturas ocupacionais marcantemente diferentes. É importante ressaltar, ainda, que essas sociedades informacionais certamente são desiguais, mas isso ocorre menos em razão dessa nova estrutura do que das discriminações relativas à força de trabalho referentes à etnia, à nacionalidade e ao sexo. Essas características estão embutidas em uma rede que se caracteriza pelo ressurgimento do trabalho autônomo e da situação profissional mista, possível por meio das novas tecnologias. Além disso, verifica-se que o emprego rural tende à eliminação, com leve declínio do emprego industrial e aumento dos serviços relacionados à produção, saúde e educação (assim como do emprego de baixa qualificação em setores varejistas e de serviço). Isso demonstra o fenômeno já mencionado: acréscimos simultâneos no topo e no pé da escala social, vislumbrando-se a estratificação e polarização profissional. Diante do aumento de produtividade em razão das inovações tecnológicas e organizacionais, os trabalhadores migram da produção direta, do cultivo, da extração e da fabricação para o consumo de serviços e trabalhos administrativos, ampliando substancialmente a gama de atividades econômicas e o universo profissional. Empiricamente, além dos aspectos já mencionados, observa-se um rápido aumento de administradores, profissionais especializados e técnicos, além da formação de um proletariado “de escritório”. As diferentes formas de composição desses processos ocorrem de acordo com as especificidades de cada país, apresentando-se hoje dois modelos básicos, um de economia de serviços e outro de produção industrial, o primeiro representado primordialmente pelos EUA e o segundo pelo Japão. Esses modelos dependem, também, da posição do país na economia global, pois se um país adota um modelo de “economia de serviços” significa um papel de produção industrial para outro país. Eis a razão pela qual as estruturas laborais dos EUA e do Japão representam diferentes maneiras de articulação na economia global. Uma compreensão de todas as ocorrências mencionadas, de globalização financeira e produtiva, faz vir à tona um questionamento: haveria também uma força de trabalho global? Em verdade, existe um mercado global para uma pequena fração de profissionais de alta especialização, mas para a maioria da população mundial o emprego permanece local, principalmente no campo. Não obstante, mesmos estes, que estão ausentes da teia, acabam dependentes da evolução e comportamento de segmentos da rede, em uma clara interdependência global da força de trabalho na economia informacional. Tal fato não é conseqüência necessária do paradigma informacional, mas resultado de políticas de governos e empresas que escolheram uma “via baixa” na transição, principalmente em busca de lucros de curto prazo. Essas diversificadas e descentralizadas políticas, governamentais e privadas, são fontes básicas do impacto da tecnologia na organização da produção e do trabalho, o que faz do modelo um tecido complexo de interação entre transformação tecnológica, política das relações industriais e ação social conflituosa. O novo modelo aumenta a importância dos recursos intelectuais de trabalhadores autônomos e instruídos, que possam e queiram programar e decidir seqüências completas de trabalho. Por outro lado, faz desaparecer trabalhos que podem ser pré-codificados e programados para execução por máquinas, deixando mais tempo para utilização do potencial humano para atividades que exijam capacidades de análise, decisão e reprogramação em tempo real. Essa forma informacional de organização do processo produtivo é determinada, principalmente, pelo fato de que não somente o valor agregado se dá pela inovação, mas também porque essa inovação depende de pesquisa executadas eficientemente e com sistemas de feedback, o que ocorre, geral, nas organizações. A tecnologia é decisiva, nesse contexto, porque determina aquela capacidade de inovação, permite a correção de erros e oferece a flexível e adaptável infra-estrutura para a produção. Para que o sistema funcione, há necessidade de um alto nível de qualificação da força de trabalho, para que ajam com liberdade, mas sempre trabalhando de forma cooperativa, em interação e constante processamento de informação entre trabalhadores, administração e máquinas. Na base desse processo, por sua vez, há uma crescente rotinização e automação, que racionaliza o procedimento por inteiro. Porém, ao contrário do que muitos imaginam, esse novo padrão flexível, inclusive de trabalhos autônomos, não parece levar ao fim dos empregos, já que análises empíricas demonstram que quando um progresso tecnológico substitui o trabalho por novas ferramentas, as atividades migram de um tipo para outro. Muitas dessas novas vagas sequer existem ainda hoje. Igualmente, não há evidências estatísticas de que a evolução tecnológica induza o desemprego, que em geral ocorre muito mais por políticas macroeconômicas incorretas e ambientes desestimulantes. Um horizonte de redução potencial do emprego ocorrerá somente em uma conjunção de expansão da demando sem aumento de produtividade, aliada a uma ausência de providências institucionais, como redução da jornada de trabalho, parecendo serem exageradas as previsões os temores em relação à automação e ao emprego na era informacional, sobre os quais pesam variáveis específicas de setores e empresas. Isso acontece porque a rápida transformação tecnológica em geral esteve associada ao aumento da demanda e da produção, que não obstante representar menos trabalho por unidade de produção, significa também a necessidade de mais tempo de trabalho em termos absolutos. Em síntese, não existe relação entre difusão de tecnologia e níveis de emprego na economia vista no todo, pois empregos são extintos e criados, variando de setores, regiões e países de acordo com a as políticas, estratégias e competitividade na economia global, apesar da tecnologia modificar profundamente a natureza do trabalho e forma de produção. Esse processo, sem contraposições, levará a uma dualização da estrutura social. Nesse novo mundo, a forma tradicional de trabalho, de período integral e carreira ao longo da vida, não será dominante, caminhando-se para uma deterioração das condições de vida e trabalhão a um número grande de trabalhadores, como resultado da reestruturação da relação capital-trabalho, da utilização de poderosas ferramentas informacionais e da forma organizacional da empresa em rede. É assim que a produtividade e a lucratividade aumentam, mas levou a uma perda de proteção institucional dos trabalhadores, que dependem cada vez mais de negociações individuais, em um processo de desagregação do trabalho, introduzindo a chamada sociedade em rede.
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